Saltburn traz mais críticas à elite financeira

Um rapaz calado e inteligente, de origem humilde, em meio a colegas abastados, se aproxima do sujeito popular e simpático buscando uma entrada na turma e eles acabam ficando amigos e frequentando a alta roda juntos. Enquanto um amigo do riquinho desconfia do recém-chegado, os pais do rapaz o recebem de braços abertos. Eu poderia estar falando de Tom Ripley, personagem de Patricia Highsmith vivido por Matt Damon (em O Talentoso Ripley, 1999) e Alain Delon (em O Sol Por Testemunha, 1966), entre outros, mas trata-se de Oliver, o protagonista de Saltburn (2023), longa disponível no Amazon Prime Video.

Cabia à diretora e roteirista Emerald Fennell a difícil missão de seguir sua premiada estreia, Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020), pelo qual ela levou o Oscar de Melhor Roteiro Original e indicações a Melhor Filme e Melhor Direção. Buscando tratar de um tipo de gente difícil de gostar, como disse em entrevistas, Fennell queria que o público se afeiçoasse a eles, mostrando-os como privilegiados, mas tirando o glamour daquela vida tranquila em uma mansão no campo.

A escolha pelo ator principal era a chave para o sucesso do filme, e se mostrou bem acertada: Barry Keoghan (de Os Banshees de Inisherin, 2022) passa muita segurança em todos os momentos, abraçando as nuances de seu personagem e as esquisitices do roteiro. Dando suporte, temos Jacob Elordi (de Euphoria e os três A Barraca do Beijo), ótimo como o jovem mimado que em nenhum momento fica estereotipado. Pelo contrário, ele é exatamente o cara que todos na faculdade gostam, agradável e agregador, mesmo tendo tudo o que quer à mão.

Os pais milionários de Felix são a cereja do bolo: pessoas absolutamente detestáveis, que se cobrem com uma aura de beneficentes e refinados para esconder todos os preconceitos e julgamentos que fazem constantemente, tratando todos como inferiores e indignos. Richard E. Grant, visto recentemente em Loki, é o típico aristocrata inglês que parece viver em outro planeta, cuja principal preocupação é o cultivo de orquídeas. Rosamund Pike (de Eu Me Importo, 2020), a mãe, é o bibelô do marido, mais nova, linda e fútil, que leva pessoas para casa para cuidar delas e posar de salvadora, mas logo se cansa e as dispensa.

Entrando nesse universo, Oliver vira a atração. Mesmo mais erudito ou esperto que os demais, ele não se veste da maneira “certa” e é visto quase como um animal de estimação. Quando todos em volta são falantes e gostam de se gabar, Oliver é discreto e observador. Mede suas palavras, se mostrando bem calculista, o outro lado da mesma moeda. Com essa fauna, Fennell faz suas críticas à elite, que tem quadros valiosíssimos na parede e nem se importa – num fantástico trabalho de design de produção e com um figurino que ressalta os aspectos da primeira década dos anos 2000. E a trilha sonora combina bem, seja com as composições originais ou com sucessos como Rent, dos Pet Shop Boys, ou Mr. Brightside, de The Killers.

Muito melhor que um Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness, 2022), por exemplo, só para citar uma sensação do ano passado que fazia críticas similares, Saltburn tem suas estranhezas, mas funciona satisfatoriamente. Um bom elenco e diálogos bem escritos entregam a mensagem. Depois da grande vitória no Oscar de Parasita (Gisaengchung, 2019), também sobre luta de classes, laureado como Melhor Filme, Direção, Roteiro Original e Filme Internacional, é de se esperar que esse longa tenha uma boa carreira nas premiações dessa temporada.

Carrey Mulligan, em participação especial, mais uma vez trabalha com Fennell

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O melhor do Cinema em 2023

Como de costume, final de ano é sinônimo de balanço com a lista dos melhores filmes. Alguns chegaram ao Brasil esse ano, mesmo sendo de 2022, e só entram os que já foram lançados comercialmente no Brasil. Aqueles que foram criticados aqui têm link para o texto completo.

Ao invés de fechar um top 10, optei por colocar os destaques do ano, aparecendo na ordem em que foram assistidos. Assim, ficam várias recomendações para quem não os viu.

Agradeço a quem acompanhou O Pipoqueiro em 2023 e seguimos juntos para mais um ano. O tempo para assistir aos filmes, escrever e postar anda mais escasso, mas um esforço segue sendo feito nesse sentido. Boas festas a todos!

Os Fabelmans

Os Banshees de Inisherin

Tár

A Baleia

O Lodo

Guardiões da Galáxia 3

O Pacto

Oppenheimer

Fale Comigo

Assassinos da Lua das Flores

Retratos Fantasmas

Elis e Tom

Segredos de Um Escândalo

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Aquaman 2 fecha o atual universo cinematográfico da DC

Chega aos cinemas essa semana Aquaman 2: O Reino Perdido (Aquaman and the Lost Kingdom, 2023), último longa do chamado Snyderverso, ou seja: de antes da chegada de Peter Safran e James Gunn à liderança das produções da DC Comics. Cenas foram reescritas e refilmadas, muita coisa aconteceu nos bastidores e já se esperava um fracasso. Felizmente, o diretor James Wan acertou novamente, entregando uma obra coesa, divertida e bem feita. Se não é um novo clássico, ao menos é muito satisfatório.

Contando novamente com David Leslie Johnson-McGoldrick no roteiro, com colaboração do próprio astro do filme, Jason Momoa, Wan continua a história de Arthur Curry, que se divide entre ser um pacato pai de família e o rei da Atlântida. O lado político do cargo o cansa, ele sempre preferiu a parte física, partir para a porrada contra possíveis inimigos de seu povo. Volta e meia ele tem essa oportunidade, lutando contra piratas, contrabandistas e quem mais aparecer pela frente.

Do outro lado, cultivando um sentimento de vingança, temos David Kane, o Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II – abaixo), cujo pai morreu numa luta contra Aquaman. A descoberta de um artefato antigo e poderoso fará com que o Arraia se torne algo mais que um simples humano. E vai nos revelar o tal reino perdido do título. Situações acontecem e se sucedem numa velocidade adequada e o resultado é uma aventura típica dos quadrinhos, com humor bem encaixado e momentos de tensão.

O vilão do primeiro filme, Orm (Patrick Wilson), volta como um aliado relutante. Mais uma vez, temos uma construção interessante dos personagens, evitando maniqueísmos e estereótipos. Eles parecem ter (alguma) profundidade, e não estou falando do mar. Temuera Morrison (o pai), Nicole Kidman (a mãe) e Dolph Lundgren (o rei vizinho) voltam a seus papéis, assim como Amber Heard (Mera), que tem sua participação esvaziada para evitar a rejeição do público (devido aos problemas pessoais da atriz, que protagonizou um atribulado fim de casamento com Johnny Depp). Randall Park, o Dr. Shin, tem uma participação maior e traz simpatia ao cientista do vilão.

Ao contrário de A Pequena Sereia ou de uns Piratas do Caribe, os efeitos especiais ficaram bem feitos, cortesia dos magos da IL&M, e devem ser visto em IMAX. A trilha sonora casa certinho com a ação, e está novamente nas mãos de Rupert Gregson-Williams. São usados dois rocks de 1969, e há uma curiosidade: Steppenwolf é o nome da banda que toca Born to Be Wild, presente no filme, e é também o vilão de Liga da Justiça (Justice League, 2017), combatido por Aquaman e cia.

Falando em Liga da Justiça, uma pergunta deve martelar na cabeça do público: por que o herói não chamou os amigos superpoderosos para ajudá-lo? Se você vê uma possível catástrofe, com potencial para abalar a Terra, você não chamaria o Superman? Ou Batman, o maior detetive do mundo? Essa é uma das questões que nos exigem um salto de fé para que possamos aproveitar a sessão. No entanto, depois de Shazam! 2 e Besouro Azul, Aquaman 2 é uma bem-vinda lufada de ar fresco. E o filme ainda deixa uma bela e discreta mensagem de preservação ambiental, já que estamos destruindo nossos mares.

Patrick Wilson e James Wan, colaboradores frequentes

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Julianne Moore e Natalie Portman dividem os Segredos de Um Escândalo

Duas atrizes nada menos que fantásticas e um ator em ascensão formam o elenco principal de Segredos de Um Escândalo (May December, 2023), longa já disponível na Netflix que deve ser um dos destaques na temporada de premiações que se aproxima. Outro chamariz é o nome do diretor: Todd Haynes costuma comandar bons dramas, geralmente indicados a prêmios.

Levemente inspirado pelo caso real da professora norte-americana Mary Kay Letourneau, que foi presa por ter um caso com um aluno de 12 anos e teve um filho dele na cadeia, o roteiro nos apresenta a uma atriz que chega a uma cidadezinha para conhecer a mulher que ela vai retratar em seu próximo filme. No papel da atriz Elizabeth, temos Natalie Portman (Oscar por Cisne Negro, 2010), que vai viver no cinema Gracie,  a personagem de Julianne Moore (Oscar por Para Sempre Alice, 2014).

A interação entre as duas mulheres começa amigavelmente, mas a presença da atriz na vida da família começa a levantar questionamentos. Gracie se envolveu com um menor, hoje seu marido, e foi presa. O escândalo tomou as páginas de revistas e jornais por todo o país e agora ruma à tela grande. É muito interessante ver o trabalho de Portman, observando e reproduzindo os trejeitos de Moore, que cria uma figura tridimensional, querida pela vizinhança e ocasionalmente atacada pelo crime passado.

Vivendo o marido de Gracie, Charles Melton (de O Sol Também É uma Estrela, 2019) consegue a proeza de se destacar contracenando com duas colegas invariavelmente excelentes. Não será surpresa ver o nome dele nas listas de indicados por aí. Aparentemente, o ator só precisava de um bom roteiro, como este, assinado por Samy Burch, que faz sua estreia em um longa.

Com uma carreira bem diversificada, Haynes vinha de um ótimo documentário sobre a banda Velvet Underground. Na última vez em que trabalhou com Julianne Moore, ambos conseguiram indicações ao Oscar (ele como roteirista), e Longe do Paraíso (Far From Heaven, 2002) teve quatro indicações no total. Entre as filmagens e durante a montagem, Haynes tocava como inspiração a trilha sonora do filme O Mensageiro (The Go-Between, 1971), de autoria de Michel Legrand. Acabou que a trilha foi incorporada e o compositor contratado, o paulistano Marcelo Zarvos (do terceiro O Protetor, 2023), criou em torno dela, aproveitando muito do trabalho do mestre francês. O resultado ficou inusitado, algo como se Alfred Hitchcock dirigisse um filme erótico.

Ao final de Segredos de Um Escândalo, a certeza que fica é que todos os envolvidos são muito bons de serviço. Se o longa vai ganhar prêmios, é cedo para prever, mas é de longe uma das melhores coisas a estrear na Netflix, serviço de streaming que anda tão carente de boas produções. Maestro (2023) vem aí para ajudar a mudar esse quadro.

O diretor levou seu elenco a Cannes para o lançamento oficial

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Willy Wonka ganha filme de origem

Desde 2016, sabe-se que a Warner estava interessada em fazer um filme sobre a ascensão de Willy Wonka como um grande produtor de chocolates. Personagem do livro Charlie e a Fábrica de Chocolate (ou A Fantástica Fábrica de Chocolate), de Roald Dahl, Wonka já ganhou vida nos cinemas duas vezes, nas peles de Gene Wilder (1971) e de Johnny Depp (2005). Agora foi a vez de Timothée Chalamet viver o personagem numa versão mais jovem, num prelúdio que muitos se perguntaram se era necessário. Essa de fato é uma pergunta complexa, mas dá para assegurar, no mínimo, que o resultado ficou bem divertido.

Ator que costuma ceder os holofotes aos colegas em qualquer filme que faça (não por escolha própria), Chalamet consegue (talvez pela primeira vez) ser o centro da ação e manter o foco em si. Seja em Me Chame Pelo Seu Nome (2017), Um Dia de Chuva em Nova York (2019), Duna (2021) ou Até os Ossos (2022), qualquer outro ator em cena chamou mais atenção que ele, e aqui ele se sobressai, se mostrando à vontade como um Willy Wonka menos estranho – algo que deve piorar com o tempo, até que ele chegue às versões anteriores (e mais velhas). E ele não faz feio ao cantar e dançar as novas músicas criadas por Neil Hannon (fundador da banda Divine Comedy).

No início desse “filme de origem” (terminologia normalmente usada para quadrinhos), encontramos Wonka chegando à cidade grande com o sonho de produzir chocolate em larga escala e levar às pessoas alegria em forma de alimento. Era algo que a mãe dele (Sally Hawkins, de A Forma da Água, 2017) fazia em datas especiais e ele tomou gosto. Por essa premissa, percebe-se que os roteiristas não se preocuparam em seguir o que havia sido estabelecido antes, como o fato de Wonka ter perdido o contato com o pai dentista que o proibia de comer chocolate. Quem assina o roteiro é o próprio diretor, Paul King, mais lembrado pelas duas aventuras do ursinho Paddington (2014 e 2017), ao lado de Simon Farnaby (também de Paddington 2).

O elenco de Wonka traz algumas boas surpresas. A oscarizada Olivia Colman (de A Favorita, 2018) faz uma pilantra padrão que tem seus momentos, e a atriz sabe aproveitá-los. Jim Carter, mais lembrado por Downton Abbey, traz sua nobreza de sempre para o grupo, e Keegan-Michael Key, de filmes e séries bobinhos como Friends From College, consegue arrancar algumas risadas. As grandes participações, no entanto, ficam a cargo do eterno Mr. Bean Rowan Atkinson e de Hugh Grant (de Dungeons & Dragons, 2023), hilários. A novinha Calah Lane (de This Is Us) tem menos experiência, mas não faz feio.

Se, nos filmes anteriores, o design da fábrica já causava assombro com sua riqueza de detalhes e cores espalhafatosas, dessa vez temos toda uma cidade. Como em uma boa fábula, não sabemos ao certo a época. Só sabemos que devemos apostar em nossos sonhos. Claro, fica uma mensagem, mas o percurso é prazeroso. O excesso de fantasia inicial, bem mais que nos outros longas, pode causar um estranhamento, mas tudo logo se ajeita. E muita coisa pode ser interpretada como metáfora. Quem nunca comeu algo tão gostoso que flutuou? Fazendo sucesso, não duvido que Wonka siga tendo continuações. E vida longa aos Oompa-Loompas!

Wilder, Chalamet e Depp: os três Willy Wonka do cinema

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Ridley Scott e Joaquin Phoenix voltam a colaborar em Napoleão

Figura muito citada em livros de História e em paródias, Napoleão Bonaparte foi um dos grandes conquistadores e estrategistas militares do mundo. Ridley Scott, o competente veterano que dirigiu longas históricos e bélicos como Gladiador (Gladiator, 2000) e Cruzada (Kingdom of Heaven, 2005), decidiu seguir na linha desses dois, dessa vez com uma história real. Napoleão (Napoleon, 2023) chega aos cinemas essa semana numa versão de mais de 2h30, com outra de 4h já programada para entrar no Apple TV+.

Com um ritmo um pouco lento entre batalhas, o filme se alterna entre a vida pessoal e as maquinações políticas de Napoleão. Escrito por David Scarpa (que trabalhou com Scott em Todo o Dinheiro do Mundo, 2017), o roteiro toma algumas liberdades frente aos fatos, com alguns historiadores já apontando algumas inverdades – o que Scott prontamente desmereceu em entrevistas, já que a arte não tem compromisso com a verdade. Eles contam a história do jeito que acham melhor.

O filme se inicia na Revolução Francesa, com o fim do absolutismo na França e a chegada ao poder de Robespierre, o jacobino acusado de usar a guilhotina contra seus inimigos pessoais. Em meio a esse turbilhão, um oficial da artilharia demonstrou apoio ao grupo que chegava, os girondinos, e ajudou a consolidá-los no poder. Subindo junto, acabou colocando os colegas para escanteio e se tornando o imperador da França. Se esse parágrafo resume bem o período, o mesmo pode-se dizer da obra, que pula várias passagens, como quando Bonaparte foi preso por apoiar os jacobinos.

É bom deixar claro que essa crítica é escrita a respeito da versão exibida nos cinemas, com 2h38 de duração. Pode-se argumentar que alguns problemas do filme se devem a cortes da versão definitiva, mais longa. Isso não justifica nada. É como tentar adivinhar o que um escritor tinha em mente quando escreveu um livro. Se não está na obra, não pode ser considerado. Logo, o filme Napoleão pula vários momentos importantes e deixa diversas pontas no ar. Há personagens que são simplesmente abandonados e não conseguimos entender todo o tempo o que está acontecendo.

Como tem sido comum em cinebiografias (nas musicais, principalmente), temos ótimas atuações. No papel principal, Joaquin Phoenix (Oscar por Coringa, 2019) faz o que o roteiro provavelmente pede: ao invés de viver um vilão em sua totalidade, como o Commodus de Gladiador, ele tenta mostrar um misto de megalomania e humanidade e até um quê de carência. A mãe parece ter um papel muito importante na vida dele, mas isso é extremamente mal desenvolvido. O único problema é que, em boa parte do tempo, Phoenix parece apagado, examinando as situações ao invés de vivê-las. O ator é sempre bom, mas o filme demanda mais dele.

Quem frequentemente rouba a cena é Vanessa Kirby  (de Pedaços de Uma Mulher, 2020). Se ela consegue fazer isso com Tom Cruise (na franquia Missão: Impossível), com Phoenix não seria diferente. Com falhas de caráter sendo apontadas aqui e ali, Josephine precisaria de grande carisma e força para não ser imediatamente odiada pelo público. Kirby tira de letra e ainda coloca, por que não?, uma pitada de fragilidade, dando um afago no ego do pequeno homem que ela ama. A baixa estatura de Bonaparte é abordada bem levemente, e a mão na barriga, retratada na famosa pintura de Jacques-Louis David (Sam Crane), é deixada de lado, já que não se sabe ao certo a razão – podia ser apenas uma pose para o artista.

O robusto orçamento de US$ 200 milhões é justificado pelo design de produção do parceiro habitual de Scott, Arthur Max. Cenários e figurinos são majestosos, garantindo desde já indicações aos prêmios da temporada, tudo valorizado pela eficiente fotografia de Dariusz Wolski, outro colaborador frequente do diretor. Se tudo isso vai funcionar melhor quando chegar ao streaming, só saberemos num futuro próximo. Da forma como está, falta muito para Napoleão ser uma grande obra.

Phoenix e Scott trabalharam juntos em Gladiador, de 2000

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As Marvels, de maravilhoso, não tem nada

Muito tem se falado de uma tal fadiga dos filmes da Marvel: as pessoas estariam se cansando dos heróis desse universo tamanho o número de filmes e séries.  E tudo acaba se embolando, já que você precisa ver tudo para entender a próxima atração, quase como num esquema de pirâmide do entretenimento. A verdade é que o problema de As Marvels  (The Marvels, 2023) é o próprio filme: o roteiro é o mais genérico possível, as situações são descabidas, a lógica que o próprio filme cria é desrespeitada o tempo todo e a direção não tem um pingo de personalidade, parecendo apenas mais um produto Marvel padrão.

Não dá para entender porque contratar Nia DaCosta para a direção. Os estúdios Marvel sabem de onde estão saindo, para onde estão indo e como deve ser conduzida essa jornada. Uma diretora com personalidade, que tem chamado bastante a atenção e lançou recentemente o ótimo A Lenda de Candyman (Candyman, 2021) não seria a melhor escolha – para ela, principalmente, já que teria que obedecer ao invés de conduzir. Ela está entre as várias mãos que assinam o roteiro, mais do que as que foram creditadas, contando inclusive com o pessoal que anda participando das salas de roteiros das séries. Ou seja: pouco do que DaCosta havia planejado inicialmente chegou à versão final.

As três protagonistas da trama já são conhecidas do público, caso tenham assistido às obras anteriores, que as apresentaram. A Capitão Marvel, também chamada de Carol Danvers (vivida por Brie Larson), é a única que teve seu próprio filme de origem, além de ter feito outras participações especiais. A jovem Ms. Marvel, ou Kamala Khan (Iman Vellani), teve uma série com seu nome para contar sua história. Só Monica Rambeau (Teyonah Parris) entra em desvantagem: além de não ter uma alcunha de guerra, não teve seu passado muito explorado. A Marvel se contentou em colocá-la na série WandaVision, quando adquiriu seus poderes por ter tido contato com a Feiticeira Escarlate. Poderes esses que nunca ficam muito claros.

A semelhança entre os poderes das três faz com que elas troquem de lugar toda vez que o usam, o que nunca fica bem explicado ou mesmo possamos entender a regra. E esse é um dos grandes problemas desse As Marvels: ele não segue a lógica interna, tudo acontece por conveniência. Toda questão a ser resolvida é assustadoramente fraca, apresentando conflitos impensáveis até para novelas da Record. A vilã (Zawe Ashton, de Velvet Buzzsaw, 2019) não tem um pingo de expressão e se resume a fazer caretas. Ao final, a dúvida que fica é: por que mesmo esse filme foi feito?

Nada em As Marvels é memorável. Talvez um ponto a ser ressaltado seja a participação de Vellani, engraçada e carismática sem cair no ridículo. Sua família aparece de forma comedida, mesmo com seus costumes, sem o humor exagerado de Besouro Azul (Blue Beetle, 2023), que trazia mexicanos saídos de uma comédia do Leandro Hassum. Larson consegue mostrar mais simpatia que anteriormente, mas a serviço do pior roteiro da Marvel – talvez em empate técnico com Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, 2023).

O personagem que mais aparece em produções dos estúdios Marvel, Nick Fury, marca presença, mais uma vez vivido por Samuel L. Jackson, mas não tem muito o que fazer e não chega a lugar nenhum (como em Invasão Secreta). A cena no meio dos créditos acena para algo que todos esperamos e que deve levar ao futuro do Universo Cinematográfico Marvel. Talvez, com menos produções ao ano, voltemos a ter algo que preste dessa turma.

Dar-Benn conseguiu ser uma das mais inexpressivas vilãs do MCU

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David Fincher apresenta seu Assassino na Netflix

Um nome como o de David Fincher é sempre cercado de muita expectativa. A reunião do diretor com Andrew Kevin Walker, o roteirista de um de seus maiores sucessos, Seven (1995), gerou ainda mais barulho e todos estavam de olho na Netflix para o lançamento. A verdade é que O Assassino (The Killer, 2023) desapontou muita gente. Está longe de ser ruim, como alguma bobagem estrelada por Liam Neeson, mas esperava-se que fosse mais do que apenas bom.

No papel título, temos o sempre competente Michael Fassbender (o Magneto na versão mais jovem dos X-Men), mais silencioso do que nunca. Ele vive um assassino de elite, de tocaia, esperando pela chegada da vítima, que ele não conhece. Quando o tal sujeito chega, algo dá errado e começa o problema. O roteiro de Walker é baseado numa série de quadrinhos franceses escritos por Alexis “Matz” Nolent e ilustrados por Luc Jacamon. Não há nenhum furo incontestável, mas há situações que podem ser discutidas e parecem improváveis. Ficamos esperando um arroubo de genialidade, como vimos em Seven, Clube da Luta (Fight Club, 1999) ou Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), por exemplo, e ele não chega.

Conhecemos do protagonista apenas o essencial, como sua preferência peculiar pelas músicas dos Smiths. Ele não chega a ser raso, mas também não é nenhum primor de desenvolvimento. Todas as figuras que cruzam o caminho dele passam pela mesma situação: nem nome têm. São apenas tipos, peças de um mecanismo que parece rodar sozinho, ninguém tem culpa de nada ou é o responsável. As interações de Fassbender com seus colegas são em sua maioria interessantes, ficando o destaque por conta da “expert” de Tilda Swinton (de Asteroid City, 2023). Para nós, brasileiros, uma participação curiosa é a de Sophie Charlotte (de Meu Nome É Gal, 2023), que não tem como fazer muito com alguns segundos em cena.

Além das canções não originais da banda de Morrissey, a trilha ficou a cargo da dupla vencedora de dois Oscars Trent Reznor e Atticus Ross, colaboradores frequentes de Fincher. Desde A Rede Social (The Social Network, 2010), essa é a quinta parceria. Dessa vez, no entanto, não ouvimos nada memorável, é tudo muito discreto. Ainda assim, a dupla recebeu uma menção especial no Festival de Veneza. Como os diálogos são escassos, a fotografia precisaria ser especialmente bem sucedida, mostrando o que precisamos saber. O oscarizado diretor de fotografia Erik Messerschmidt (de Mank, 2020) cumpre bem sua função, aproveitando tanto os cenários internos quanto os externos, situando o espectador.

Algo que pode e deve ser debatido sobre O Assassino é o humor sutil que permeia a trama. O protagonista passa uma aura de infalível, de sempre prever tudo e não deixar escapar nenhuma ponta – como deixam claro os chavões que ele fica repetindo mentalmente. No entanto, sempre que ele é bem sucedido, o acaso interveio, monstrando que ele não é tão fodão assim. Talvez ele não fosse o antagonista ideal para James Bond, mas para Maxwell Smart, o Agente 86. Uma nova sessão do longa pode vir a revelar novos detalhes. Afinal, estamos falando de David Fincher.

Sophie Charlotte despe-se de sua beleza para aparecer em O Assassino

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Muito mais que um Trapalhão, Mussum ganha homenagem

Chegou aos cinemas a vida de um grande brasileiro que talvez não tenha seu devido valor reconhecido. Antônio Carlos Bernardes Gomes era um sambista naturalmente engraçado que acabou virando comediante e entrava todas as semanas nas casas de milhares de espectadores como um dos Trapalhões. Mussum – O Filmis (2023), atualmente na quarta posição entre as maiores bilheterias no país, foi o grande vencedor na 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado e funciona como uma bela homenagem.

O carismático Ailton Graça (de M-8, 2019) lidera o elenco vivendo o protagonista em idade adulta, e Yuri Marçal (de Vale Night, 2022) faz o mesmo papel, mais jovem, sendo tão bem sucedido quanto o colega. Carlinhos, como Antônio Carlos era conhecido, era um menino pobre, criado pela mãe, que parecia destinado às Forças Armadas, mas o samba falou mais forte. Muitos devem conhecer Mussum apenas dos programas humorísticos, o que torna mais interessante saber quais caminhos a vida dele tomou. E ainda conferimos a caracterização de várias outras celebridades que aparecem aqui e ali. A semelhança de Gustavo Nader e Zacarias é impressionante!

Além de Graça e Marçal dividirem um personagem, Cacau Protásio (de O Porteiro, 2023) e Neusa Borges (da série Auto Posto) fazem o mesmo com a mãe de Mussum, Malvina. Todos são bem sucedidos, quase sem exageros, e Paulo Cursino, o roteirista (de Vizinhos, 2022), consegue fugir das armadilhas do dramalhão, do choro fácil. Silvio Guindane, ator que faz sua estreia na direção de um longa, conduz com mão leve e evita o tom episódico que cinebiografias costumam ter, apenas passando pelos fatos cronologicamente.

Um elemento que sem dúvida chama a atenção nesse Mussum – O Filmis é a trilha sonora. Além dos Originais do Samba, grupo do qual Antônio Carlos fazia parte, temos muitos outros artistas que passam pela história e dão uma palinha. Jorge Ben e Elza Soares são alguns deles, bem representados e tocados. Max de Castro, responsável pela trilha, foi outro premiado em Gramado, num total de seis estatuetas. Prêmios merecidos para um filme bem feito que ainda vai levar muito público aos cinemas.

As duas versões de Os Trapalhões

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George e Tammy contam sua tumultuada história

George Jones foi um dos maiores nomes da música country norte-americana. Um belo dia, foi apresentado à novata Tammy Wynette, que passou a cantar com ele e atingiu enorme sucesso também. Essa é a história vista nos palcos, quando os dois se apresentavam juntos e a atração mútua era inegável. O que de fato aconteceu tomamos conhecimento na minissérie George & Tammy, cujos seis capítulos foram exibidos na TV americana entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 e hoje estão disponíveis no serviço de streaming da Paramount.

Para quem gosta de conhecer melhor a vida de celebridades, essa série é um prato cheio. Baseado no livro da única filha do casal, Georgette Jones, que serviu como consultora para a produção, o roteiro pode até ter inconsistências quanto à ordem de certos eventos, mas os fatos narrados são bem coerentes. Nada que dê para perceber sem uma longa pesquisa. Ao contrário de filmes como Johnny e June (Walk the Line, 2005) e Ray (2004), há mais tempo para o desenvolvimento das situações e das relações entre os personagens, fazendo com que nos importemos mais com eles. E o tom fique menos episódico.

O ponto positivo que salta aos olhos nesse tipo de produção é invariavelmente o trabalho dos atores, e aqui não é diferente. Michael Shannon, o General Zod da DC (em Homem de Aço e Flash), e Jessica Chastain, oscarizada por Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye, 2021), travam um duelo bonito de se ver, mostrando a força e as fraquezas de seus personagens. Shannon, escalado após um problema de agenda forçar Josh Brolin a sair, dá dignidade a Jones até correndo bêbado de cueca pela rua, indo facilmente de um extremo a outro. E Chastain confere a Wynette a majestade que a cantora tinha, com todas as nuances necessárias. Não coincidentemente, o criador da série, Abe Sylvia, é um dos roteiristas de Tammy Faye, colocando Chastain para cantar mais uma vez.

Em determinado momento, uma fã pergunta a Wynette algo relacionado ao fato dela sempre cantar sobre homens, se colocando em uma situação de submissão. Infelizmente, essa não é uma discussão desenvolvida pela produção, mas percebemos uma mudança de posicionamento pela cantora, que passa a não tolerar certos abusos. Chastain de fato consegue criar uma figura tridimensional, de vários lados, que ama e sofre, mas não é boba. E as músicas dos dois artistas não roubam a cena, tocando pontualmente, sem forçar ninguém a gostar delas. É importante mencionar que são Shannon e Chastain que cantam, e não fazem feio.

Mesmo que contada de forma tradicional e cronológica, a história de George & Tammy não é muito presa a datas, e às vezes não sabemos nem a década do que está acontecendo. As mudanças de penteados, maquiagem e figurinos são discretas e só chamam atenção quando o salto temporal é maior. O que importa, mesmo, é a interação entre George e Tammy, e os coadjuvantes que vamos conhecendo. Figuras como Walton Goggins (de Entre Armas e Brinquedos, 2020) e Steve Zahn (de The White Lotus) trazem ainda mais valor à produção.

Os verdadeiros George Jones e Tammy Wynette, em 1968

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