Novo terror da A24 traz Morte até no título

Amigos milionários na casa dos 20 resolvem celebrar a chegada de um furacão com uma festinha regada a álcool e cocaína na mansão afastada de um deles. Ressentimentos começam a aparecer, discussões se multiplicam e as coisas parecem sair do controle. Até que, de fato, saem. Um deles aparece morto no quintal. Quem teria matado? Quase um Pânico para a geração Tiktok, Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies, 2022) está em cartaz nos cinemas com uma mistura de suspense e humor que deve agradar o público mais jovem.

Uma das amigas, Sophie (vivida por Amandla Stenberg, de Querido Evan Hansen, 2021), chega na casa sem avisar e causa um certo frisson. Ainda mais por estar acompanhada pela nova namorada (Maria Bakalova, de Borat 2, 2020), que conheceu há poucas semanas e por quem está derretida. Jordan (Myha’la Herrold) parece ter algo mal resolvido por Sophie, enquanto David (Pete Davidson, de O Esquadrão Suicida, 2021) e Emma (Chase Sui Wonders) têm um namoro estranho, não parecem se importar muito um com o outro.

Rachel Sennott (de Shiva Baby, 2020) e Lee Pace (o Ronan de Guardiões da Galáxia, 2014) vivem o casal mais divertido e fazem mais de suas participações. Sennott tem diálogos muito inspirados e é certamente um nome a se acompanhar. Pace vive um tipo hippie, bem mais velho que os demais – mesmo que alguns dos atores pareçam mais velhos (caso claro de Davidson). E há um sujeito, Max, que foi embora antes do filme ter começado por ter brigado com o arrogante David.

Assim como acontece no já clássico Halloween (1978) e na franquia Pânico, entre outros, a fotografia é um elemento-chave, mostrando apenas o que precisamos ver e explorando bem a casa. A diretora, Halina Reijn, trabalha novamente com Jasper Wolf (ambos de Instinto, 2019) para conseguir chegar exatamente onde quer, criando mais intrigas que sustos. O roteiro, da estreante Sarah DeLappe, é baseado no elogiado conto Cat Person, de Kristen Roupenian, publicado na revista New Yorker.

Com um elenco afiado, Morte Morte Morte traz tiradas interessantes e críticas certeiras a certos estereótipos, cada ator encarna um. É bem complicado conseguir pegar tudo de primeira, o que deve levar muita gente a ver novamente. É mais um acerto da produtora A24. Não é assustador como Hereditário (Hereditary, 2018), mas nem pretendia ser. É apenas uma hora e meia de diversão salpicada por sangue jovem.

No início, todos são só sorrisos

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Dwayne Johnson e DC levam Adão Negro aos cinemas

Produtores envolvidos em adaptações de quadrinhos já devem ter percebido que é muito mais simples trabalhar com personagens menos conhecidos do que com um Batman ou Super-Homem. A exigência é menor, a liberdade é maior e a cobrança fica apenas nos fãs mais extremistas, com todos os demais apenas buscando uma boa diversão. Vai nessa direção o novo Adão Negro (Black Adam, 2022), projeto dos sonhos de Dwayne Johnson que finalmente chega essa semana aos cinemas.

O então vilão Adão Negro estreou nos quadrinhos no primeiro número da revista da Família Marvel (depois Família Shazam), da finada editora Fawcett Comics, em 1945. Originalmente inimigo do Capitão Marvel (que virou o Shazam), ele passou por várias reviravoltas e teve sua origem recontada algumas vezes, principalmente depois que a DC comprou a Fawcett e o incorporou ao seu time. O filme aproveita elementos de arcos diferentes e toma liberdades, sendo a principal delas a relutância em mostrá-lo como vilão.

A história do filme começa no Egito antigo, em Kahndaq, uma sociedade onde todos convivem bem e têm vidas produtivas, até que um sujeito toma o poder e escraviza boa parte da população. Um desses escravos recebe os poderes do mago Shazam, derrota o tirano e, por algum motivo, fica cinco mil anos aprisionado. Uma liderança rebelde de Kahndaq encontra o local onde Adão estaria e consegue acordá-lo. Nesse momento, Amanda Waller, nossa velha conhecida (criadora do Esquadrão Suicida), decide que Adão é uma ameaça e convoca uma nova formação da Sociedade da Justiça para capturá-lo.

O primeiro problema do roteiro (de três roteiristas sem nenhuma experiência em filmes de heróis) reside no envolvimento de Waller: temos que acreditar que ela monitora o uso de super-poderes em todo o mundo e logo detectou Adão. E o segundo problema: baseando-se em lendas e escritos antigos, deduz que o sujeito é um mal a ser combatido de cara, sem nem trocar uma ideia antes. E envia a Sociedade da Justiça, o que fazia parecer que a trama se passaria nos anos 40, ao invés dos dias de hoje. E por que não enviar o Esquadrão Suicida? Ou a própria Liga da Justiça? Ou Shazam?

A história de Adão Negro é contada em várias camadas, cada hora descobrimos mais uma parte. E o personagem nunca sai de cima do muro: ele é basicamente um herói que mata. Os roteiristas devem ter achado difícil colocá-lo como vilão e fazer o público torcer por ele, algo como vimos em Venom (2018). Dwayne Johnson (de Alerta Vermelho, 2021) tinha razão em se dedicar tanto ao projeto, ele se encaixou muito bem ao personagem. Só não tem muita oportunidade de aproveitar seu carisma e timing para comédia, já que Adão Negro tem uma jornada trágica e dificilmente solta uma piadinha.

Os quatro heróis que compõem a Sociedade da Justiça são muito bem representados. O Gavião Negro ficou ótimo interpretado por Aldis Hodge (de Uma Noite em Miami…, 2020), que adota um tom professoral que cai bem para o líder do grupo. Não se perde tempo explicando quem ele é, apenas vemos que ele parece ter roubado as posses do Professor Xavier (a mansão e o avião lembram bastante). E o colega dele, Kent Nelson, é vivido por ninguém menos que o ex-James Bond Pierce Brosnan. Os poderes do Senhor Destino não ficam muito claros, mas ele faz o que lhe cabe na missão e a caracterização ficou acertada.

Para uma missão de tamanha periculosidade, tendo em vista os poderes de Adão Negro, era de se esperar uma equipe experiente e acostumada a trabalhar junta. Ao invés disso, Gavião e Destino têm as companhias de Esmaga-Átomo (Noah Centineo, da franquia Para Todos os Garotos) e Ciclone (Quintessa Swindell, de Viajantes, 2021), dois jovens bem intencionados que não sabem bem o que fazer. Além de trocarem olhares apaixonados, quando o rapaz não está mascarado, mais parecendo Deadpool.

Lidar com personagens muito poderosos tem sempre aquela dificuldade de se chegar no momento da luta. Assim como em O Homem de Aço (Man of Steel, 2013), temos sequências cansativas de destruição e pancadaria que fazem o filme parecer mais longo do que suas duas horas. O final é convencional e previsível, mas os trechos divertidos compensam, deixando o resultado bem na média. O que já é lucro para o diretor Jaume Collet-Serra (de Jungle Cruise, 2021), que se saiu melhor que Zack Snyder.

Quando veremos o grande encontro entre Adão Negro e Shazam?

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A história de Operação Cerveja é tão absurda que só poderia ser real

Depois de cometer o duvidoso Green Book (2019), que levou três Oscars mesmo sem ser bom, Peter Farrelly optou para outra história real, desta vez deixando o dramalhão de lado. Operação Cerveja (The Greatest Beer Run Ever, 2022) é baseado no livro de memórias do próprio protagonista, talvez o mais burro da história do Cinema. Corroborando a ideia de que ser patriota é acreditar em tudo o que é divulgado pelo governo, o sujeito achava que devia levantar a moral dos amigos combatentes na Guerra do Vietnã. E resolveu fazer isso levando cerveja para eles. No Vietnã. Em guerra.

Em 1967, americanos morriam aos montes em um país desconhecido por eles com a justificativa de estarem lutando contra o comunismo. E o americano médio acreditava piamente nisso, afirmando que os mortos eram heróis que defendiam o estilo de vida de todos. Um desses, que ficaram nos EUA e recebiam a notificação dos amigos mortos, era John “Chickie” Donohue (Zac Efron, de Chamas da Vingança, 2022), o típico perdedor: morava com os pais, dormia até tarde por ter bebido muito na véspera e tinha um emprego incerto que pagava mal.

Vendo a irmã (Ruby Ashbourne Serkis, de O Paraíso e a Serpente) protestando junto aos hippies, Chickie entendeu que deveria fazer algo para mostrar sua gratidão aos amigos, que lutavam por ele e demais. Para isso, encheu uma sacola de latas de cerveja – a tradicional norte-americana Pabst Blue Ribbon – e se alistou para um trabalho num navio cargueiro que ia para Saigon. Com a desculpa de estar trabalhando, ele aproveitaria para dar uma escapada e achar os vizinhos. Numa zona de guerra.

É interessante perceber que o cidadão norte-americano não tinha a menor ideia do que estava acontecendo no Vietnã, muito menos da gravidade do conflito. Acreditavam em tudo que o presidente Johnson (ou algum general) dizia na televisão. Nada muito diferente do que acontece hoje no Brasil ou em outras partes do mundo. Compra-se as versões oficiais, como se as autoridades fossem mitos incapazes de errar. Para Chickie, foi necessário sair de sua casa e ver o que de fato acontecia lá fora, para constatar que se tratava de um banho de sangue.

Partindo de uma premissa absurda (apesar de real), Farrelly e equipe conseguem construir uma jornada bonita, mesmo com alguns exageros. O personagem de Russell Crowe (de Thor: Amor e Trovão, 2022) é o único, dentre os mais relevantes, que não existiu, resumindo outras figuras com quem Chickie se encontrou e até servindo como seu guia, uma espécie de Virgílio pelo inferno da guerra. De resto, o filme bate certinho com a história narrada no livro (coescrito por Joanna Molloy). O tipo vivido por Bill Murray, numa ponta bacana, também está próximo da realidade. Difícil acreditar que alguém seria tolo o suficiente, mas acabamos nos afeiçoando por Chickie.

Chickie, no meio, deu entrevistas com seus amigos ex-combatentes

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Universo Marvel nos apresenta a seu próprio Lobisomem

Os estúdios Marvel seguem inovando em formato e conteúdo. Nada muito extravagante, mas diferente do que estávamos acostumados. O especial Lobisomem na Noite (Werewolf by Night, 2022), já disponível no serviço de streaming Disney+, não chega a ser um filme, tem cara de episódio. Mas um independente, não pertencente a uma série, e nos apresenta a um personagem novo nesse Universo Cinematográfico: o lobisomem Jack Russell. E faz isso homenageando os clássicos filmes de monstro da Universal Pictures.

Depois de dirigir dois curtas, o compositor Michael Giacchino, figurinha fácil nas trilhas da Marvel (como na trilogia do Homem-Aranha), decidiu aceitar o desafio de comandar uma produção dessa magnitude. E deu conta satisfatoriamente. O roteiro, escrito por Heather Quinn (de Gavião Arqueiro) e Peter Cameron (de WandaVision e Cavaleiro da Lua), não se preocupa com muitas explicações, o espectador pode até ficar um pouco perdido quanto aos personagens utilizados. Nada que afete a sessão ou a experiência. Muito pelo contrário, é tudo muito enxuto e direto.

De cara, descobrimos que o lendário caçador de monstros Ulysses Bloodstone faleceu e haverá uma disputa para que outro caçador seja escolhido para carregar o legado dele: uma pedra que dá poderes a quem a leva. A filha de Bloodstone, Elsa (Laura Donnelly, de Outlander), deixou a casa há anos e será tratada como uma mera competidora. Entre eles, temos Jack (Gael García Bernal, de Wasp Network, 2019), um sujeito misterioso que entra na competição.

A escolha da fotografia em preto e branco (assinada por Zoë White, de Handmaid’s Tale) é acertada por várias razões, além da óbvia: aproximar o especial dos filmes das décadas de 30 e 40, que fizeram escola no gênero terror. Dessa forma, não há o carnaval de cores e formas de um Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, 2022), por exemplo, e o designer de produção pode se focar em criar a mansão, seus arredores e desafios. A trama consegue ser mais objetiva e é possível usar uma carga de violência maior sem que a censura cresça, já que é tudo muito estilizado.

Há filmes da Marvel que se aventuram em gêneros mais específicos, como espionagem e assalto. Fora o ensaio em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022), essa é a vez em que o estúdio entrou a fundo no campo de terror, e esta pode ser a porta para diversos outros personagens serem introduzidos, o que já é o caso de Ted Sallis, o Homem-Coisa. Vamos ver o que a Fase 5 do MCU nos reserva, já que a 4 está se encerrando.

Giacchino compôs a trilha e dirigiu “uma carta de amor ao terror clássico”

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Netflix volta a Stephen King com O Telefone do Sr. Harrigan

Um dos escritores mais adaptados para o Cinema e TV, Stephen King nem sempre é garantia de qualidade. Muitos elementos bem utilizados na literatura podem se perder na transposição, indo do tosco ao insosso. É nesse último caso que se encaixa O Telefone do Sr. Harrigan (Mr. Harrigan’s Phone, 2022), que parte de um conto do livro Com Sangue e traz dois bons nomes à frente do elenco. O roteiro, no entanto, não se decide entre o drama e o suspense sobrenatural e não chega a lugar algum.

Quando assistimos a um filme como Conta Comigo (Stand By Me, 1986), entendemos logo se tratar de um drama de amadurecimento e acompanhamos com prazer aqueles jovens se aventurando pela cidade. Já em It – A Coisa (2017), temos um palhaço monstruoso e milenar matando crianças, não deixando nenhuma dúvida quanto ao gênero. Ao final da sessão de O Telefone do Sr. Harrigan, não sabemos onde encaixá-lo, e não por ser uma obra complexa, de difícil definição. Por ser de uma total indefinição, lançando temas que não pretende tratar, deixando a certeza de um potencial nunca atingido. Nem arranhado.

No papel principal, temos Jaeden Martell (de It) vivendo Craig, um adolescente que já há cinco anos vai três vezes por semana à casa do Sr. Harrigan (Donald Sutherland (de Ad Astra, 2019) para ler para ele. Passando por vários clássicos da literatura, eles forjam uma amizade na qual cada um contribui de uma forma. Enquanto o milionário aposentado oferece conselhos a Craig, o garoto apresenta modernidades ao amigo. Uma delas é um telefone celular, que permite consultas rápidas e em tempo real a índices financeiros, o que interessa muito a Harrigan.

Se, num primeiro momento, o sujeito não dá valor ao presente, Harrigan logo se rende, ficando grato a Craig. A impressão que temos até aí é de que uma boa atmosfera de terror está sendo construída e teremos uma amizade sobrenatural com consequências assustadoras, algo como em Christine – O Carro Assassino (1983). No entanto, o diretor e roteirista John Lee Hancock passa longe de um John Carpenter. A exemplos de seus trabalhos mais recentes, Os Pequenos Vestígios (The Little Things, 2021) e Estrada Sem Lei (The Highwaymen, 2019), Hancock nunca consegue entregar o que parece estar planejando.

Se a relação entre os protagonistas é crível, deve-se ao bom trabalho dos atores. Sutherland dificilmente fica abaixo do ótimo e leva o jovem colega consigo. Vários outros personagens entram na história, criando ganchos estranhos que se tornam pontas soltas. A relação de Craig com a professora (Kirby Howell-Baptiste, de Sandman), por exemplo, sempre deixa algo no ar, parecendo que ela teria atração pelo aluno. Enquanto isso, Craig tem uma situação mal resolvida com duas colegas, uma que gosta dele e outra que o sentimento parece ser mútuo. Nada é resolvido e as duas logo são deixadas de lado, assim como outros coadjuvantes. Quando sentimos que vai acontecer alguma coisa, as luzes se apagam. A Netflix já acertou em adaptações de Stephen King, mas não foi dessa vez.

O bully parece uma versão endemoniada de Joey Ramone

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A sensível série Heartstopper te espera na Netflix

Em meio a tantas adaptações de quadrinhos estreladas por heróis super-poderosos, temos uma nova série também baseada em HQs sobre garotos crescendo e se descobrindo na Inglaterra contemporânea. Já disponível na Netflix há alguns meses, Heartstopper é a versão em carne e osso dos volumes escritos e ilustrados por Alice Oseman. A sensibilidade do material original foi mantida na transposição para a televisão, com um ótimo elenco fazendo jus a situações críveis e diálogos bem elaborados.

Na série Sex Education, também da Netflix, temos um adolescente heterossexual se conhecendo melhor enquanto cresce em uma escola sisuda, sempre acompanhado pelo amigo gay. Em Heartstopper, a dinâmica se inverte, dando o protagonismo a um jovem homossexual que é exposto pelos colegas e se vê obrigado a se assumir aos 15 anos de idade. Ele passa a sofrer ataques constantes e se torna mais tímido, contando apenas com um trio de amigos para apoiá-lo.

A trama nas duas mídias começa quando um professor coloca Charlie Spring (o novato Joe Locke) para fazer dupla com o astro de rúgbi da escola, Nick Nelson (Kit Connor, de Rocketman, 2019). Inicialmente estranhando aquela situação, ele acaba se surpreendendo com o simpático Nick e uma amizade começa ali. Para o terror de seus amigos, que não querem vê-lo se machucar, Charlie começa a desenvolver uma paixonite por Nick, mesmo que tudo indique que o garoto seja hetero.

O mais curioso na série é que acompanhamos os dois jovens muito de perto, sabendo inclusive os que eles estão pensando, já que ambos os atores são bem expressivos, demonstrando emoções sem muito esforço. Os demais nomes do elenco também não fazem feio, com destaque para Yasmin Finney, a tiktoker que fez sucesso contando suas experiências como uma adolescente transgênera. E temos ainda uma ponta recorrente de Olivia Colman (de A Filha Perdida, 2021) como a mãe de Nick, fazendo muito com seus poucos segundos de cena.

Todos os oito episódios de Heartstopper são escritos pela própria Alice Oseman e a direção ficou a cargo do experiente Euros Lyn, cujo currículo inclui Dr. Who, Demolidor e Broadchurch (também com Colman). A competência da equipe técnica e o talento dos atores nos colocam nas cabeças de Charlie e Nick e é um prazer acompanhá-los. Se um adolescente qualquer já passa por inúmeras dúvidas e provações, imagine esses dois, com uma carga extra de dilemas! Torçamos para que a Netflix aprove a realização de uma nova temporada, material de base não falta.

Seis volumes já foram lançados lá fora, possibilitando várias temporadas

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Cobra Kai chega à quinta temporada

Tirando leite de pedra, Cobra Kai chegou à sua quinta temporada. As duas primeiras, produzidas pelo YouTube, reviveram de forma magnífica os antagonistas do novo clássico de 1984, Karatê Kid (The Karate Kid). Os encontramos depois dos 50 anos, cada um em uma situação. Esse cenário foi desenvolvido e, agora, os personagens chegam ao quinto ano, novamente produzido pela Netflix (desde o terceiro). E a qualidade só cai.

Na primeira temporada, reencontramos Daniel LaRusso (Ralph Macchio), um empresário bem sucedido, e Johnny Lawrence (William Zabka), um alcoólatra vivendo de pequenos serviços. Lawrence acaba se encontrando como professor de caratê, abre o dojo Cobra Kai, revive os traumas de LaRusso e eles logo entram em rota de colisão. Ao longo das quatro temporadas, as relações entre os dois vão e voltam, envolvendo diversos outros personagens, entre familiares, alunos e amigos, novos ou velhos, com várias participações especiais de nomes que já frequentaram a franquia.

No início da quinta temporada, temos Terry Silver (Thomas Ian Griffith – abaixo) se firmando como o dono do Cobra Kai. O vilão do terceiro filme (de 1989) se juntou ao amigo John Kreese (Martin Kove) à frente do dojo e logo o passou a perna, mandando-o para a cadeia. Parecendo um malfeitor da série de James Bond (como alguém bem o descreve), Silver está sempre impecável, com seu cabelão branco preso e golas chamativas. Não poderia ser mais exagerado, mas até tem seu charme. Griffith estava afastado das câmeras há 14 anos quando recebeu o convite.

Se, desde o início, Cobra Kai era chamada de “Malhação com Caratê”, agora está mais para uma novela mexicana. Além de vários draminhas chatos e pré-fabricados, o excesso de closes em caretas e pausas dramáticas chega a ser risível. Os atores, de forma geral, parecem saídos da escola Joey Tribbiani de atuação, tão canastrões quanto o personagem de Friendsque fazia graça propositalmente. Se Zabka continua no mesmo tom desde o início, Macchio parece ter perdido o foco, repetindo à exaustão uma cara de cachorro perdido na mudança. Kove, que era para ser um vovô ameaçador, só tem uma mesma expressão de mármore.

Entre os adolescentes, os principais basicamente só se repetem. Xolo Maridueña (Miguel), Tanner Buchanan (Robby) e Mary Mouser (Samantha) não acrescentam nada e alguns coadjuvantes, como Joe Seo (Kyler Park), se tornaram constrangedores. Por sorte, tem quem se salve, como Peyton List (Tory Nichols) e Dallas Dupree Young (Kenny Payne), que ganham maior destaque. O campeão Eli “Hawk” Moskowitz (vivido por Jacob Bertrand) aparece pouco, em momentos pontuais, como os demais colegas do início.

Assim como séries como Black Mirror, Cobra Kai perdeu força ao entrar para o catálogo de produções da Netflix. Dá a impressão que o streaming, buscando um público mais amplo, esvazia as atrações, nivelando por baixo. E o mais estranho: mesmo batendo recordes de audiência e ganhando prêmios, a série ainda não tem sua sexta temporada confirmada. A Netflix não sinalizou nada e os criadores da atração atualmente trabalham em vários outros projetos, como um derivado de Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986) e um novo American Pie.

A dinâmica entre Daniel e Johnny continua sendo o forte da série

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Stallone não é um bom Samaritano

Ele já foi o Juiz Dredd numa aventura tosca de 1995. É um Guardião da Galáxia da reserva na Marvel e o Tubarão-Rei para a DC (em O Esquadrão Suicida, 2021), além de fornecer a voz ao vilão Victor de Heróis da Galáxia – Ratchet e Clank (2016). Em 1993, viveu O Demolidor numa história que parecia ter saído das revistinhas. E foi isso que fez novamente Sylvester Stallone, agora para a Amazon Prime Video. Samaritano (Samaritan, 2022) tem cara de adaptação de HQ. E consegue ser o pior entre os citados acima.

A falta de recursos financeiros fica aparente por toda a sessão, mesmo o longa tendo custado 100 milhões de dólares. Boa parte desse orçamento deve ter sido gasta com Stallone, já que os efeitos e cenários são risíveis. E o astro é de fato o único ponto a chamar atenção nessa produção, que tem um vilão descabido e desperdiça o dinamarquês Pilou Asbæk (o Euron Greyjoy de Game of Thrones) no papel.

Em uma rápida contextualização, descobrimos que Granite City tinha um herói que a defendia de um grande malfeitor. Ambos foram dados como mortos numa explosão. Mas o jovem Sam (Javon Walton, de Euphoria) segue firme acreditando que seu ídolo está escondido por aí, sempre supondo que pessoas da vizinhança pudessem ser o Samaritano disfarçado. E a bola da vez é Joe (Stallone), um lixeiro recluso que parece esconder alguma coisa.

O roteiro de Bragi F. Schut (de Caça às Bruxas, 2011) até tenta ter alguma profundidade quando toca na questão da criminalidade, mas logo parte para os tiros, porrada e bombas e descarta qualquer conteúdo mais sério. Até aí, nenhum problema, se a ação fosse boa. No momento em que vemos um humano normal lutando contra um sujeito superpoderoso – e fazendo pressão -, a palhaçada já ganhou a guerra. A sequência de fatos que vamos acompanhando não faz o menor sentido e os dramas soam pré-fabricados.

Tendo dirigido o ótimo Operação Overlord (2018), era de se esperar mais de Julius Avery. A inventividade demonstrada em um filme deu lugar à preguiça e ao lugar-comum no outro. O carisma de Stallone some em diálogos vazios e previsíveis e o expectador logo entra num piloto automático, esquecendo tudo o que viu imediatamente ao final. Se aguentou chegar até lá. A recepção fria garante que Samaritano não tenha sequências, caso essa fosse uma possibilidade.

Stallone passa o filme todo com cara de quem chupou limão

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Moonage Daydream revela a essência de Bowie

Chega ao final uma experiência única: assistir a Moonage Daydream (2022) numa sala de Cinema, preferencialmente IMAX. O documentário está saindo de cartaz e se preparando para o mercado dos streamings, mas o modo ideal de assistir a ele é numa tela gigantesca, cercado pelo ótimo desenho de som que inclui narração e músicas de ninguém menos que David Bowie. Trata-se da primeira obra de Cinema aprovada pelos mantenedores das propriedades do cantor e, exatamente por isso, a produção teve acesso a cinco milhões de ativos que incluem desenhos, gravações, filmes e diários, além das próprias canções.

Lançado em 2020, o longa Stardust, que ficcionaliza uma passagem da vida de Bowie, não contava com os direitos de uso das músicas e fez uso de um artíficio comum nesses casos: tocar músicas que Bowie cantava, mas que eram de outros compositores. Em Moonage Daydream, temos não só as versões originais, como variações ao vivo e em estúdio e até medleys. Essa graça foi alcançada devido ao envolvimento do nome do diretor, roteirista e montador Brett Morgen, responsável pelos ótimos The Kid Stays in the Picture (2002) e Cobain: Montage of Heck (2015).

O mais do que consagrado Morgen ainda trouxe para o projeto o amigo e colaborador de décadas de Bowie, o produtor musical Tony Visconti, e o técnico de som Paul Massey, indicado ao Oscar dez vezes e vencedor por Bohemian Rhapsody (2018). Todos esses talentos combinados trazem aos fãs do artista uma obra única, que realmente se propõe a entrar na mente dele, nos revelando um sujeito inquieto, criativo, que se alterna entre uma certa timidez e a total desinibição, geralmente quando interpretava um dos vários papéis que criou.

Seguindo a própria persona de Bowie, que quebrava regras e instituía novos padrões, Morgen não realiza um documentário convencional, que se atém a fatos cronológicos e narra uma história. Ele está mais preocupado com os pensamentos e os processos criativos de seu biografado. Focando mais na carreira artística, ele inclui pouca coisa da vida pessoal de Bowie, relevando filhos e até a primeira esposa, Angie. Questões como bissexualidade e vestir roupas “de mulher” ganham espaço, já que causaram muita polêmica na época, cobrindo várias facetas dele.

É muito interessante como Moonage Daydream vai e volta no tempo, se alternando entre um Bowie ruivo (ou Ziggy Stardust), um loiro (ou o Thin White Duke) e um mais contemporâneo, mais maduro. Percebemos o quanto o compositor, falecido em janeiro de 2016 aos 69 anos, manteve uma mente efervescente, se reinventando ao longo dos anos, mas sempre coerente com as posturas que adotou. Difícil é se controlar para não começar a cantar no meio da sessão.

Bowie, em qualquer de suas encarnações, faz muita falta

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Garland faz um estudo da maldade masculina em Men

Independente do resultado ser bom ou ruim, fato é que os filmes de Alex Garland são instigantes. Tendo escrito roteiros elogiados para outros cineastas, como Danny Boyle, Garland assumiu a direção em 2014 e está em seu terceiro longa. Depois do ótimo Ex-Machina: Instinto Artificial e do duvidoso Aniquilação (Annihilation, 2018), ele chega à maior incógnita entre os três: Men (2022), que incompreensivelmente não ganhou título em português e em alguns veículos tem o subtítulo Faces do Medo. Aparentemente complexo, o filme é até bem simples, mas traz umas camadas que podem confundir os espectadores menos atentos.

Em entrevistas para promover o lançamento, Garland revelou a admiração pelo trabalho de Jessie Buckley, o que o levou a escolhê-la para a tarefa de levar a obra nas costas. Revelada para o mundo em As Loucuras de Rose (Wild Rose, 2018), a atriz parece ter uma predileção por mergulhos psicológicos. Indicada ao Oscar por A Filha Perdida (The Lost Daughter, 2021), que seguiu o muito comentado Estou Pensando em Acabar com Tudo (I’m Thinking of Ending Things, 2020), Buckley está sempre entrando na cabeça de suas personagens, entregando trabalhos elaborados que exigem muito dela.

E a atriz tem sido bem-sucedida em suas missões. Mesmo quando o resultado total não seja grande coisa (como em A Filha Perdida), Buckley cumpre seu papel. Em Men, ela é uma viúva que aluga uma casa no campo para espairecer e tentar curar as feridas de um casamento arruinado. Lá, ela terá contato com algumas figuras locais que lembram o novo clássico Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971), que mostrou na década de 70 que os interioranos não são tão bonzinhos quanto aparentam.

Algo que fica bem claro com alguns minutos de exibição é que Men tem o objetivo de trabalhar a toxicidade masculina. Enquanto as personagens femininas são esclarecidas e compreensivas, as masculinas são escrotas e trazem perigo. Talvez, batendo-se um papo com Garland, que além de diretor assina o roteiro, seja possível entender o papel de cada sujeito na figura maior. Mas isso não importa. Apenas vendo o filme, muito fica no ar. É complicado interpretar o que cada um significa, mesmo que no fim quase tudo faça sentido.

Explorando bem os cenários bucólicos ingleses e propondo questões importantes, Men tem uma boa intenção, por assim dizer. A situação de abuso de certos homens, que podem ser vistos como sensíveis ou até frágeis e não passam de manipuladores canalhas, é algo que precisa ser discutido. E a atuação de Rory Kinnear (de 007: Sem Tempo Para Morrer, 2021) lidera muito bem o restrito elenco masculino. Só o roteiro de Garland que dá umas viajadas e não deixa nada muito claro. Os caminhos da mente são tortuosos, entendo, mas nem por isso tenho que gostar ou concordar com o que é mostrado.

Se aconselhar com um padre pode ser uma boa ideia – ou não

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