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Guarda-chuva

Há pouco tempo estive em uma exposição de Banksy, artista de origem inglesa que trabalha no anonimato. Ele é mais conhecido por produzir arte de rua com spray através de moldes (estênceis) formando figuras. E suas obras costumam sempre conter alguma crítica social.

Entre os trabalhos apresentados, houve um que me chamou particular atenção. Era o quadro de uma menina descalça segurando um guarda-chuva dentro do qual chovia. Na legenda, uma plaquinha informava que tal imagem simbolizava a queda das instituições. Achei aquilo particularmente doloroso e interessante.

Fiquei pensando no gesto natural de, na chuva, pegarmos o guarda-chuva para evitarmos molhar. Qual seria o nosso susto se a água também caísse da parte de dentro, tornando totalmente falha a nossa tentativa de proteção? Achei uma impressionante metáfora para a vida de muitas pessoas. Um retrato da frustração cotidiana para a população mais vulnerável. E a representação de que as instituições contemporâneas estão mesmo em declínio de confiabilidade. O Estado, a justiça, a medicina, a ciência, a lei, as forças de segurança, a ONU, a família… Tudo parece ter se enfraquecido diante de um dilúvio (final?) de absurdos.

É difícil viver se não se puder confiar em nada, se não houver uma única instância em que se possa apoiar. Ultimamente, parece mágico quando algo dá certo, quando algum campo da vida cumpre a sua função. Os “plot twists” estão na moda, assim como os elementos-surpresa. O que não é necessariamente bom. Precisamos que ainda existam coisas que funcionem sem notas de rodapé. Coisas com a solidez do passado e a abrangência do presente. Coisas que garantam a dignidade humana. Coisas grandes como o Estado ou como um guarda-chuva para proteger da chuva.

Tais Civitarese

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