Arrogâncias

Outro dia, estava ouvindo um podcast em que uma mulher branca entrevistava um professor negro. Após ele contar a história de como venceu a pobreza e prosperou em sua profissão, a entrevistadora lançou mais algumas perguntas e, ao final, lhe disse: “parabéns, você relatou seu percurso de sucesso muito bem e sem nenhuma arrogância”.

Fiquei fixada nessas palavras. E pensei com meus botões que tipo de elogio era aquele. Essa senhora é militante da esquerda brasileira e defende frequentemente a luta antirracista. No entanto, achei que faltou implicar-se um pouco na própria fala. Ao ouvi-la, senti como se reservasse ao homem o lugar de subalternidade que pessoas de sua cor vêm ocupando há mais de quatro séculos no Brasil. E pensei: será que ele não teria justamente o direito de ser arrogante, especialmente dadas as difíceis circunstâncias em que se sobressaiu? Dada a luta gigantesca que teve que empreender para obter suas conquistas em um país com oportunidades tão discrepantes entre os extratos sociais?

Quando alguém se esforça muito para alguma coisa e a conquista, eventualmente expressa um orgulho pelo próprio feito, considerando-se todo o tempo e o trabalho empreendidos para aquele fim. Tal orgulho é socialmente naturalizado e, muitas vezes, reproduzido por amigos e apoiadores daquela pessoa. Por que seria notável ressaltar que o homem em questão, pertencente a um grupo historicamente marginalizado, “não foi arrogante” ao relatar seu sucesso? E por que sua humildade foi particularmente um ato digno de elogio, já que, pelas mesmas razões históricas, a população negra exibe este traço de forma quase compulsória há tantos anos? Isso não seria reforçar a exata perpetuação da dinâmica cruel em que vivemos?

Será que queremos que os menos privilegiados vençam, mas que permaneçam discretos, suaves, quietinhos, ocidentalizados dentro dos padrões hegemônicos e quase sem perturbar a ordem dominante? Ou que sua vitória gere barulho, ruído, altivez, um tom de voz confiante que a noticie e que possa propagar alguma transformação verdadeira por demonstrar o que é possível?

É sempre válido manter-se vigilante na luta antirracista. Repensar as próprias falas é tarefa diária e contínua pois, por vezes, elas podem reproduzir mentalidades ainda não totalmente desconstruídas em nós. As palavras importam e devemos refletir frequentemente sobre nossas atitudes se quisermos ser verdadeiramente coerentes com os ideais que defendemos.

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