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O eu do futuro

O eu do futuro – Fonte: Arquivo pessoal
Tadeu Duarte
tadeu.ufmg@gmail.com

No saguão do aeroporto de Confins, enquanto esperava a hora de embarcar, avistei um senhor de idade que me chamou a atenção.

Enquanto eu o observava tentando entender o que aquele homem comum tinha de diferente, num primeiro momento, descartei a possibilidade dele ser alguém que eu conheça. Ainda assim, aquele senhor me parecia extremamente familiar.

Um homem alto, de barba feita e olhos claros. Deveria ter algo em torno de 75 anos. Seu rosto claro, tranquilo e infantil o deixava com o aspecto de um vovô bonzinho.

Com os olhos fixados nele por alguns minutos, finalmente entendi quem ele era: o eu do futuro.

O que tanto me chamava a atenção nele era justamente sua semelhança comigo. Me vendo naquele homem com umas três décadas a mais, me senti em um episódio de Black Mirror. O eu do futuro era a personificação do espaço-tempo invariável, tal como a Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

Tive medo de pegar o mesmo voo que ele. Se o avião caísse, eu morreria duas vezes.

Esse nosso encontro não parecia casual ou aleatório. Estava planejado pela lei natural dos encontros do universo. Certamente foi arquitetado para me dizer alguma coisa.

Mas o quê?

A primeira interpretação que tive foi negativa. Me vendo amanhã tive a certeza de que o tempo me transformou em um velho careta. Para a minha tristeza, comecei a usar tudo aquilo que mais abomino: blusa polo com uma estampa geométrica desnecessária, calça bege, cinto de couro, relógio e mala de rodinhas.

Que fiz eu para merecer isto?

Fui adolescente até os quarenta anos. Depois disso virei um adulto chato. Me vendo amanhã, arrependi por ter aos poucos adquirido manias de velho. Sabia que essas manias viciam. Num dia você é jovem, no outro você varre a calçada e coloca fogo nas folhas secas. Vacilei em ouvir a Antena 1, em tomar banho com o sabonete de rosas da Phebo, usar samba-canção estampada e me render ao Sauvage Elixir, um perfume com todas as notas amadeiradas possíveis que sempre critiquei.

Foi triste constatar que, definitivamente, fui vencido pela barriga. É uma barriga de respeito, um colosso de um pânceps caído e deformado, de fazer inveja à barriga de bosta retida do Papai Papuda.

A notícia boa é que, depois de sete décadas, ainda tenho cabelo. Curioso que também estou sozinho, ao menos naquele aeroporto. Será que deixei de ser um solteiro original (aquele que nunca se casou ou teve filhos, de acordo com a teoria social do filósofo caneta azul Manoel Gomes) e dei um ponto final em minha longeva carreira solo ao estilo Roberto Carlos?

O eu do futuro não é um homem feio, longe disso. Quem observá-lo com atenção verá que esse senhor de idade foi bonito na década de 50. Sem passar vergonha, competiria lado a lado de James Dean, John Wayne, Cary Grant, Gregory Peck, Marlon Brando e Pedro de Lara. Certamente fez o mesmo sucesso que o eu do presente enquanto adolescente nos anos 90 quando fui galã do Minas Shopping. Mas naquele período as coisas foram facilitadas para mim, afinal, eu competia com Juninho Natureza, Tôfofo, Carneirinho, Naná Cavalo e Paulo César (que já era calvo aos 17 anos).

O eu do futuro não me viu no aeroporto. Será que me reconheceria? E, se notasse que eu sou ele de ontem, o que ele me diria?

Essa é uma pergunta para a qual só o tempo me dará resposta, daqui uns trinta anos, talvez.

Só mesmo com a sabedoria e experiência dos mais velhos é que se pode cultivar a ilusão de ter respostas para tudo.

 

 

 

Daniela Piroli Cabral

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