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Eu sou você amanhã

Eu sou você amanhã – Fonte: Internet
Tadeu Duarte
tadeu.ufmg@gmail.com

Com mais de três décadas de atraso, a prisão de Collor não causou a menor comoção na sociedade brasileira.

O STF aplicou em Collor a pena de 8 anos e 10 meses de reclusão em regime fechado, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Seus crimes foram mais contundentes que aquele do Fiat Elba dos anos 90 do qual se livrou, convenhamos.

Além do distanciamento temporal, contribuiu para a indiferença pública o fato de que, de lá pra cá, os brasileiros descobriram que o que já era muito ruim sempre pode piorar um pouco mais.

E, de fato, piorou. 

Depois de Collor, Alagoas nos presenteou com grandes homens públicos, verdadeiros estadistas do quilate de Renan Calheiros e Arthur Lira. Saiu Collor que ficou conhecido por fazer com as mãos o V da vitória e entrou o boçal que faz arminhas com as mãos. E que também usa suas internações hospitalares para fazer ensaios fotográficos de seu intestino grosso lotado de bosta retida.

Lembrar de Collor me remete a uma época de vacas magras. O país recém redemocratizado estava quebrado, mas tinha uma nova e moderna Constituição e grandes expectativas que tão cedo não se realizariam. Sairam os militares mas ficaram as velhas raposas e suas capitanias hereditárias de sempre no Congresso.

Collor nos enganou porque parecia realmente ser diferente da velha política. Ele personificava o novo, o diferente e o futuro. Era jovem, esbelto e bonito. 

Com seu histórico de atleta, Collor corria pela manhã e lutava karatê a tarde. Dirigia carros esportivos, pilotava motos e andava de jet-sky. Sempre bem penteado, era decidido e contundente em seus gestos e falas. Por fim, seu personagem de homem bem sucedido era complementado tendo pela figura esquecível de Rosane Collor, uma espécie de Jacqueline Kennedy da caatinga, com sua franjinha de evangélica e roupas de mulher conservadora, recatada e do lar. Completava seu visual com a sua protuberante gengiva de cavalo.

Enquanto isso, Lula, seu antagonista, era o sapo barbudo sindicalista. O pobre sem modos, o cachaceiro barrigudo que tinha dificuldades em se expressar com as concordâncias da língua portuguesa. Curioso lembrar que em 1989 Lula já era temido pelas elites brasileiras e pobres de direita como a “ameaça comunista”, pois na direita brasileira as ideias de ontem são as mesmas de amanhã.

Com a auxílio da Rede Globo na edição criminosa do último debate presidencial e com o apoio do alto empresariado, Collor foi eleito. 

Antes dele, o último presidente eleito pelo voto popular antes da Ditadura foi Jânio Quadros, provando que o brasileiro tem desde sempre a estranha mania de eleger políticos caricatos que o façam de trouxa. Nelson Rodrigues já alertava que “o grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”.

Confesso que imaginei escrever este texto comemorando a justiça de sua prisão, ainda que tardia. Porém, antes mesmo de minha publicação no blog Mirante, Collor saiu do presídio Baldomero Cavalcanti e foi direto para a prisão domiciliar “humanitária”, em sua cobertura de 600 metros quadrados em frente ao para o mar de Maceió, no edifício Chateau Larousse, número 602, avaliada em mais de 9 milhões de reais e escondida por ele em sua última prestação de contas à Justiça Eleitoral em 2022.

A ONG Transparência Internacional apontou que esse benefício escancara a desigualdade do sistema de Justiça brasileiro. “Um corrupto serial evade a Justiça brasileira por décadas e cumpre ‘pena’ em um palácio.”

Há inúmeras semelhanças entre os presidentes Collor e Jair. 

O antigo autodenominado “caçador de marajás” é hoje um homem doente. Diagnosticado com Parkinson, apnéia do sono e transtorno afetivo bipolar, Collor está também caraplégico, uma vez que virou deficiente facial após intervenções cirúrgicas mal sucedidas, que o deixou a cara do vilão Coringa e suas sobrancelhas constantemente arqueadas. Já jair está internado simplesmente por não conseguir cagar.

Collor transitou por dez partidos da direita fisiológica, como ARENA, PDS, PMDB, PRN, PRTB, PTB, PTC, PROS, PTB, PRD e, após a prisão, está SEM PARTIDO. Jair também esteve em dez legendas diferentes, sendo PDC, PP, PPR, PPB, PTB, PFL, novamente o PP, PSC, PSL, SEM PARTIDO e PL.

Collor confiscou a poupança dos brasileiros enquanto Jair sonegou a vacina da Covid. Collor destruiu a economia e trouxe hiperinflação com Zélia Cardoso de Mello. Jair afundou o país com o famigerado beato Salu da inflação, Paulo Guedes. Collor montou o esquema de seu tesoureiro PC Farias e Jair arquitetou as rachadinhas de sua familícia com o miliciano Fabrício Queiroz. No primeiro damismo, saiu Rosane Collor com seu escândalo na LBV e entrou Micheque Gospel recebendo cheques de Queiroz e raspando até as moedas do lago do Planalto. Collor autorizou a concessão da Record para Edir Macedo e Jair fez dessa TV a sua emissora paralela e oficial. Ambos usaram & abusaram da idiotia brasileira com um patriotismo demente, verde-e-amarelo e neoliberal. 

E foram apoiados pelos mesmos cantores sertanejos, Zezé di Camargo, Leonardo e Chitãozinho. E também pela master picaretagem política de Roberto Jefferson.

Collor foi traído por seu irmão Pedro Collor enquanto Jair foi delatado por Mauro Cid. Collor teve seu tesoureiro PC Farias envolvido com a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas internacional, enquanto Jair tinha íntimas relações com milicianos do Rio de Janeiro, via Adriano da Nóbrega e Ronnie Lessa. Collor fez da Casa da Dinda sua residência oficial, enquanto Jair optou pelo condomínio Vivendas da Barra Pesada, no Rio de Janeiro.

Embora seja possível fazer inúmeras comparações entre os dois políticos, não há dúvidas de que Jair foi um presidente ainda pior que Collor. No fim das contas, Collor aceitou o impeachment, saiu pelas portas dos fundos do Planalto e se auto exilou em Miami. Enquanto Jair arquitetou um golpe paramilitar mequetrefe e depois fugiu para a Flórida.  Sem apoio da alta cúpula militar, restou a Jair apenas os popcorrn and ice cream, patriotários lambe rolistas de porta de quartel, Malafaia e a moça do batom.

Collor é hoje um prenúncio para Jair. Assim como aquele comercial antigo da vodka Orloff, ele avisa: eu sou você amanhã.

 

Daniela Piroli Cabral

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