Amigo hospitalizado, na UTI, por um acidente de trânsito. Seu estado provocava comoção. Na ânsia e pressa de nos sentirmos úteis, na iminência de ele nos deixar, esperávamos doadores para repor o estoque do hemocentro.
Semblantes cerrados, olhos vermelhos, mãos trêmulas, caminhava-se de um lado a outro naquela sala de espera em que, estranhamente, não havia outros acompanhantes. Eventualmente, algum funcionário passava ligeiro sob os olhares ávidos por informações sobre o paciente.
Foi um dia de muito calor e, à tarde, caíra chuva torrencialmente. Talvez tenha sido essa a causa daquele acidente. A noite esfriava rápido. Pela janela, já se percebia uma forte neblina envolvendo a cidade. Não fosse o estado de espírito ali reinante, poderíamos perceber a beleza daquele cenário colorido por luzes brancas e amarelas que, aos poucos, se esvaiam enquanto a neblina se tornava mais espessa.
Não havia ainda celulares, então, de vez em quando, alguém se dirigia ao “orelhão” que ficava ao fundo do salão, ao lado de uma lanchonete. O funcionário, muito esperto para quase duas da manhã, tinha uma expressão tão neutra que parecia um autômato. Já devia estar acostumado à angústia das pessoas naquele agitado hospital de pronto-socorro.
A namorada aflita, que havia trabalhado o dia inteiro na loja de apetrechos sazonais, de época, em dia de alta nas vendas, sentou-se trêmula, encolhida num banco, com o olhar fixo na porta de entrada dos médicos. Tirou os sapatos e cruzou as pernas na altura dos tornozelos, com a ponta de um pé sobre um dos sapatos e o outro pé tremelicando, demonstrando claro nervosismo.
02h26min. O médico surge em passos lentos, e acorrem a ele todos os presentes, como animais famintos que reconhecem o tratador.
– Fiz o que estava ao meu alcance. Agora é com Deus. A cirurgia foi bem. Ele está sedado e, se tudo der certo, vai para o quarto pela manhã.
– Ele vai sobreviver?
– Agora é rezar. Ele é jovem, os exames mostram que não tem outros agravantes, então é esperar até amanhã para ver.
O “até amanhã” não demoraria, pois já se passara metade da madrugada. O médico se afastou e, após uma breve conversa de conforto de parte a parte, cada um procurou se sentar para descansar e aguardar o alvorecer, com receios, com esperanças, com fé e, claro, também com uma dose de medo.
Muito cansado também, com as pernas um pouco inchadas de ficar de pé por longo tempo, sentia o aparelho ortopédico começar a ferir alguns pontos de minha atrofiada perna esquerda. Senti que precisava manter o ânimo para apoiar a amiga, caso se consolidasse uma tragédia. Quase 6h. Fui em busca de um café e do cheiroso pão de queijo. Ali, bem no canto, ouvi baixinho, no rádio do atendente, a doce voz da saudosa Clara Nunes: “Raiou, resplandeceu, iluminou. Na barra do dia o canto do galo ecoou…” do samba Menino Deus (1974), de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro. E, junto, veio a ótima notícia de que estava tudo bem.
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Parabéns Mário Sérgio! Muito interessante. A música e a boa notícia se juntaram, se completaram. Claro que ajudou marcar na memória.