Neutre - Fonte: Pixabay
Essa história me traz memórias de quando eu tinha sete ou oito anos e estava sendo alfabetizada. Lembro que, na leitura de um dos meus primeiros textos, lá estava o “a” entre parênteses. Fiquei instigada com a presença daqueles símbolos “abraçando” a vogal. O incômodo veio quando a explicação chegou, através das pacientes palavras de minha mãe:
— Na língua portuguesa, é o “o” quem manda. Quando a gente quer incluir também a mulher, põe o “a” entre parênteses ao lado.
Eu, que não era letrada nas letras do machismo estrutural, me senti alijada e me calei, indignada. Por que é o “o” que predomina?
Novamente essa questão me tocou quando, já maior de idade e estudante de psicologia, me deparei com o seguinte cartaz: “Vagas para psicólogos(as)”. Por que usar o “o” dominante em um contexto profissional no qual a carreira é predominantemente feminina? Não me senti representada de novo e, em determinadas circunstâncias, passei a adotar, por conta própria, o “a” da maioria: Psicólogas(os).
Trago estes exemplos para mostrar a importância de falar e problematizar o uso da linguagem imparcial. Recentemente, a Argentina proibiu o uso da linguagem neutra em seus documentos oficiais. Entendo os argumentos dos fiscais da norma culta, mas é importante pensar na linguagem enquanto campo de expressão humana, em um contexto culturalmente localizado e dinâmico. A função primordial da linguagem é a comunicação e a expressão de necessidades humanas.
Por mais que a gente não aceite, ache “mimimi”, uma provocação desarrazoada às normas da língua, ela tem vontade própria e muda sozinha, a despeito daqueles que a querem controlar. Taí o exemplo da linguagem tecnológica da internet: zapzap, blogs, arrobas — que não me deixam mentir. São a prova viva de que, mesmo não dicionarizadas, fazem parte do cotidiano, da nossa forma de interação e de subjetividade.
Outro ponto importante é que a linguagem é e sempre foi campo de disputa de poder discursivo, lugar de exercício de reconhecimento ou de discriminação e de práticas de violência (física ou simbólica). Como vivi na infância, tem muita gente que não se sente representada pelo “a” nem pelo “o”, e aceitar que elas possam ter seu campo de identificação e lutar por essa legitimidade é fundamental. O reconhecimento das existências passa também pelo crivo linguístico.
Na semana do Dia da Mulher, espero que possamos sair do silenciamento a que historicamente fomos impostas, mas que também possamos levar conosco as denúncias e as necessidades daqueles que também não têm direito ao uso pleno da linguagem para expressar sua dignidade, manifestar seus desejos, exercer sua cidadania.
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Como deve ser bom ganhar dinheiro escrevendo tantas frivolidades...
Faz uma petição então, uai!
Aném...que chatura!
Tanta coisa mais importante no mundo todo, como por exemplo, fomE.
Prezado Gustavo,
Não sei se vc sabe mas neste espaço aqui, ninguém ganha dinheiro.
A gente escreve voluntariamente aqui no blog para refletir, criticar, duvidar, ajudar a construir um mundo melhor, mais inclusivo, diverso e rico (e não é de dinheiro que estou falando).
Mas acho que vc sabe da importância que o nome das coisas tem.
Não se trata de “mimimi”, como gostam de rotular. Basta observar o Trump renomeando unilateralmente, via decreto, o golfo do México.
A linguagem tem força de apropriação dos significados do mundo e, na maioria das vezes, de dominação por aqueles que já tem seus privilégios assegurados.