Victória Farias

Nada tão denso, que mereça uma profunda admiração e dedicação consciente do ser, tem acontecido ultimamente. Tudo tem sido superficial e pela metade, sob aviso prévio e sem surpresas. Cada coisa em seu lugar e nada sem encaixe. Nada mais nos pega desprevenidos, e até as tristezas, que pretendiam chegar sem serem anunciadas, parecem moldar-se perfeitamente ao nosso momento.

As pequenas esperanças a que nos agarramos são levadas de nós como um apagão. Parece um pesadelo acontecendo em câmera lenta, em um filme cujo roteiro é, ao mesmo tempo, tenebroso e sádico.

Continuamente, pessoas que fazem figuração junto a nós, nessa grande novela chamada vida, persistem em achar que está tudo bem. Esses iluminados seguem lutando contra um inimigo invisível que – sugerem – quer nos tirar todas as liberdades conquistadas em anos de luta. Mal sabem que a tal liberdade significa muitas coisas diferentes, e nenhuma delas parece conversar entre si.

Mas, como disse no início, nada tão denso tem acontecido. O caos instalado parece ter se colocado como uma sinfonia que, há muito tocada em alto e bom tom, se tornou uma contínua só nota. O mesmo movimento do maestro que, parado como uma estátua admirando seu próprio reflexo, incorpora o lugar de Narciso, enquanto os músicos, surdos pelo estrondo das notas, seguem tentando se fazer ouvir separadamente, cada um dando o melhor de si em seu instrumento, sem perceber o outro por tempo suficiente para gritar: bravo!

*

Foto: Caravaggio

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *