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O que resta da fantasia pós-carnaval

Sandra Belchiolina
sandrabcastro@gmail.com

Não é uma quarta-feira qualquer, mas sim a quarta-feira de cinzas. No ritual cristão, é dia de colocar as cinzas no formato de cruz na testa dos fiéis. É o início de um período de recolhimento. No chão, as marcas das despedidas da folia: confetes e serpentinas espalhados pelo chão, assim como brilhos e restos de fantasias. Enquanto isso, a cidade retoma seu ritmo cotidiano. Mas será que a fantasia acaba ou continua em outros palcos da vida?

Na grande e memorável noite do Oscar, o filme “Ainda estou aqui” carrega na bagagem mais um troféu: o de Melhor Filme Internacional. Triunfo de uma campanha brilhante do cineasta Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello (isso dá um brilho). Sem jamais esquecer sua origem em um contexto real brutal. Obra de resistência que faz um resgate no tempo e na memória coletiva de um Brasil sob o regime militar. A sétima arte, assim como o carnaval, tem o alcance de carregar um desejo, um grito ou uma história para contar. Na clínica psicanalítica, esses enredos de desejos, fantasias e gritos silenciados são trabalhados para uma vida mais saudável dos analisandos, para que possam lidar melhor com seus sintomas.

Para a psicanálise, “a fantasia é uma sutura do sujeito, na qual a lacuna do sujeito é tamponada por um objeto imaginário e real ao mesmo tempo, mas que participa do real por sua estabilidade, sua constância” (Ana Laura Prates). O real de impossibilidade e desordem que tentamos domesticar com narrativas e imagens (o simbólico). No carnaval, na tela de cinema e na vida cotidiana, são encenados personagens que ajudam a sustentar a vida.

O carnaval para o brasileiro tem um gosto especial, e nas avenidas desfilam um esplendor de fantasias que alimentam o imaginário. Mas o que acontece na despedida da maior festa do Brasil, quando o que resta são confetes pelo chão e o brilho das máscaras caído? Podemos pensar no ressurgir da Fênix? Aquela que renasce das cinzas? E, se olharmos para o céu, um arco-íris pode estar por ali nos encantando.

Seguimos com nossas fantasias!

Blogueiro

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  • No Carnaval e na Arte, depositamos nossos sonhos e desejos de um país sem anistia para golpistas e sem violência. Outros tempos, nova era, de céu de arco-íris, de esperança, onde o preconceito não é tolerado e o racismo é crime.

  • O que fica da fantasia pós carnaval é a vontade de arrancar as máscaras que escondem preconceitos, racismo, politicalha, homofobia e tudo quanto é desumano!

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