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Cores II

Peter Rossi

Me pego, por curiosidade pura, pensando como as cores influenciam a nossa vida. Vamos falar a verdade? Como conseguimos conviver tanto tempo assistindo “Os Flintstones” em preto e branco, na televisão. Era um desenho animado sobre uma família da Idade da Pedra, muito divertido.

Me lembro que esse foi o primeiro programa que assisti em cores, na televisão colorida de uma vizinha, como a gente falava. Em seguida, vinham os episódios do Batman e todas as onomatopeias eram grafadas em vermelho, amarelo ou laranja. Era muito mais bacana.

Certa vez escrevi que as cores adquiriram nomes e denominações as mais impensáveis. Mas não é a isso que pretendo me referir agora.

Penso nas cores como substitutivos de alguns sentimentos e outros adjetivos. E o mais interessante é que isso ocorre em diversos outros idiomas.

A pessoa fica vermelha de raiva, é comum dizer, obviamente se referindo ao rubor que sobe à face quando estamos verdadeiramente indignados. Até aí tudo bem. Mas, me expliquem por favor: por que alguns ficam roxos de inveja? Não consigo entender a correlação. A cor violeta, embora seja a que mais gosto, desde menino, figurativamente se refere à morte, coisas do além, sei lá.

É comum ouvirmos: fulano não serve para o cargo, é verde ainda! Factível a comparação a um fruto que ainda não está maduro. Na natureza, a maioria deles começa na cor verde até adquirir a tonalidade definitiva: amarela, vermelha, preta até. Enquanto verde não possuem ainda o sabor mais agradável, não atingiram seu ápice. Particularmente, acho que a regra não é definitiva, afinal quem nunca comeu manga verde com sal? Uma delícia! Mas a associação da cor, nesse caso, faz absoluto sentido.

Branco de susto é outra expressão que tem plena justificativa. É comum que, diante de um impacto, fiquemos pálidos e, como tais, brancos!

Ouvi dizer que estudiosos escrevem sobre a psicologia das cores e me lembrei que já me submeti a sessões de cromoterapia.

Mas continuo a insistir que a adjetivação das cores, além de interessante, é por vezes inexpugnável.

Será mesmo que sentimentos podem ser preenchidos com caneta hidrocor? Como nos referiríamos à inveja, por exemplo? Esse sentimento tão maniqueísta e antipático, mas que todos nós já experimentamos, pelos menos uma ou cem vezes na vida. Por qual razão a inveja é violeta? Me responda quem puder.

Alguns associam a cor bege ao sentimento de vergonha alheia. Para mim não faz sentido algum. “Nossa viu o que fulano fez? Fiquei bege.” Me soa como um modismo das redes sociais sem eira, nem beira. Enfim.

O que me proponho a colocar em discussão é a questão interessante do ser humano colorir os sentimentos. E, repito, isso não acontece apenas na língua portuguesa.

Me lembro agora de outra expressão: me deu um branco! Será que branco significa o nada? Claro que não! Imagino que a referência é a uma tela em branco onde o pintor nada conseguiu colorir! Mas, será lógica essa comparação? Penso que não, branco não é ausência, ao contrário, a cor me induz à leveza, pureza, carinho.

E as dissidências entre preto e negro? Por que utilizamos a expressão negro para adjetivar coisas ruins? A fome é “negra”, peste “negra”. Lado outro, a palavra preta tende a estabelecer um conceito de coisa boa: “ganhei uma grana preta”. Essa é uma pergunta para a qual não tenho respostas. E não estamos aqui a falar de racismo, essa conduta imbecil que ainda permeia em nossa sociedade. Não vejo uma conotação racista entre as palavras mencionadas. Pode ser que esteja cego a tal percepção, mas de fato não vejo.

Fato é que as cores existem como deleite. Colorido o mundo é melhor. De minha parte, sempre fui aficionado por elas. Sem o menor talento para a pintura ou o desenho, sempre comprei canetas, pinceis e tintas, que na verdade nunca utilizei, apenas por me sentir maravilhado por todos os tons.

Meus olhos absorvem bem essa variação, só não consegue o meu cérebro reproduzir.

Enquanto busco as respostas para tais indagações, sigo com a palheta de cores enfiada no polegar, fingindo pintar o mundo todo. Melhor assim, afinal todos devemos ter uma caixa de lápis de cor para mitigar as aflições. A razão dos adjetivos? Ah, deixa prá lá! Sigamos colorindo, ainda que de forma aleatória. Com certeza isso é puro sentimento!

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