Taís Civitarese
A assistência em saúde mental é uma especialidade curiosa. Dificilmente interessa-se por esta área quem não tenha padecido, em algum momento da vida, das dores que são tratadas por ela.
Há algum tempo observei que dentre todos – ou quase todos – os residentes de psiquiatria do nosso ambulatório havia visivelmente uma sensibilidade aflorada, uma veia pulsante levemente mais exposta. Eles parecem ter o olhar mais lubrificado, com a pálpebra relativamente cerrada a um terço de sua extensão, de forma a mirar o olho alheio em seu ponto mais profundo. Junto, têm também uma mão bem ampla e pronta para segurar a mão alheia.
Psiquiatras são malucos, já ouvi de muitas pessoas. Para mim, são os mais corajosos. Eles conseguem colocar-se de frente para o espelho que expõe suas próprias mazelas. Curam o que dói no outro como se curassem a si mesmos. Conseguem presenciar as performances humanas mais extremas, muitas delas à beira da despersonalização. São capazes de vislumbrar o que há de real dentro de um delírio, o que resta de vida frente ao desejo de morte. Escutam com todos os seus órgãos. Despem todas as aparências.
Por falar em aparências… São elas o fio condutor atual de nosso mundo. O que é essa mise-en-scène que performamos dia a dia? Chega a ser cômico, bastante engraçado. Um meta-realejo toca enquanto todos bailamos, presos por uma imã à situação. Iguais àquelas bailarinas das caixinhas de música de antigamente.
Aparências e saúde mental tornaram-se conceitos conflitantes. É muito bom que exista quem sabe ver, compreender e acessar através delas.