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Fora de ordem

 

Não nasci com o dom da arrumação. Não sou uma pessoa organizada. Isso não quer dizer que viva na bagunça. Apenas, a ordem que cultivo não é perfeita ou padronizada. Minha casa é limpa e funcional. Mas os armários e gavetas não são bonitos quando abertos. Sei que o suposto ideal é ter tudo bem arrumadinho em seus devidos lugares. Ao alcance. No entanto, por aqui às vezes perde-se algum tempo ( um punhado de segundos?) procurando pelas coisas.

Também não fui ensinada a cozinhar. No rol de aquisição das habilidades básicas, aprendi a fazer só o que gostava: brigadeiro, macarrão e pipoca. Quando criança, fiz aulas de piano, natação, vôlei, inglês e francês. Minha avó me ensinou a pregar botões e a mexer na máquina de costura. Ali, fazia roupinhas de boneca para me divertir. De vez em quando, com uma costura reta e simples, ajustava a cintura de uma roupa. Entre as atividades de uma moça “prendada”, devo ter marcado 2 pontos em 10. Minha criação dentro de seu recorte de classe e privilégio foi parecida com a criação de um menino, de um homem.

Fui criada e educada para estudar. É claro que aprendi a fazer tarefas domésticas e a guardar as minhas coisas. Nada demais.

Porém é engraçado como ser uma mulher assim ainda em 2024 cause espanto a algumas pessoas. Alguém que não tenha muito interesse pela casa, pelos armários, pela meticulosidade, pelo brilho dos vidros, polimento dos metais ou maciez dos tecidos.

Não, eu não me interesso. Concedo a mim mesma o direito de não ter uma preocupação a mais em que receberia pouquíssima ajuda, em que teria a mínima colaboração dos demais em minha casa e assim permito-me evitar frustrações fatídicas, sucessivas e desnecessárias. Além disso, cultivo a sincera sensação (e o fato verídico) de ter mais o que fazer.

Me falta capricho? Talvez. Posso aprender? Certamente. No entanto, não saber ou não me interessar por isso em nada me diminui. Estereótipos são coisas pavorosas e, por vezes, minha recusa em aderir a eles é puramente de raiva.

Tais Civitarese

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