As rodas de conversas são muitas e por variadas motivações. Os causos contados vão de pescadores a turistas que desbravam o mundo. Os perrengues nem sempre são contados, mas as estripulias com certeza o são. Os dos pescadores, todos sabem, o tamanho do peixe é de abraçadas. Os dos turistas, com encantamentos. E a variedade é repassada muitas vezes, ano a ano, nas famílias.
Nos meus causos, há o Tião Lenheiro, que apronta mil peripécias com sua bicicleta e desafia obstáculos. Cenograficamente encenado por meu irmão Aloisio, desfrutamos de suas artimanhas.
Hoje, turistar-me-ei e conto sobre uma das idas lá nas bandas do alto da Serra da Canastra, ou melhor, no Parque Nacional da Serra da Canastra. Como o Tião Lenheiro e sua bicicleta com vontade própria, estava eu pedalando de Vargem Bonita até a Casca D’Antas. Subindo e descendo as serras da região, avisto o pico que dá origem ao nome “canastra” – que tem o formato dos baús antigos chamados de canastra.
De repente, minha magrela toma posse de vontade, e numa descida sem meu controle, lá fomos em disparada rompendo obstáculos. Foi um foge de cupim, de buracos, e a danada só aceitou as rédeas a um centímetro de uma cerca de arame. Ufa… com o susto superado, bora ver a belezura da paisagem. O rio, bem pequeno e cristalino – ainda sem os barrancos que o fazem ter uma cor de terra –, segue seu curso entre pedras, chegando ao destino ao final de cada dia, em Casca D’Antas, batizada com esse nome devido ao animal – antas – que se esfregava nas árvores do local quando se feria. As cascas do vegetal proporcionavam a cura das lesões.
A cachoeira que rompe do alto do parque é majestosa, com seus 186 metros de altura e farto volume de água. Estar nos bares de São Roque de Minas é escutar causos e causos, observar a movimentação dos típicos moradores da região em um lugar aprazível e ver a vida passar lentamente, principalmente num dia de chuva.
Mas estou como contadora de causos mesmo, dando uma volta até chegar naquele que pensei para essa crônica. Mas antes…
O dia amanheceu chuvoso, como são muitos dias de janeiro em Minas. Nosso carro não subiu a Serra, e lá fomos nós num potente soviético Serra acima rumo à portaria de Patrocínio, com destino ao bar/restaurante de comida típica e muito tradicional. Antes da chegada, passamos pelo mirante de onde se avistam os divisores das águas do Rio São Francisco, do Rio Paraná e da Serra da Babilônia. A paisagem é encantadora. Também nesse dia pude caminhar com um antigo amigo – o tamanduá-bandeira manco. Já o conhecia quando levei alunos para pesquisa/visitação ao parque. No meu primeiro encontro, ele se esgueirava em meio ao capim.
Ele manquitolando e a paisagem bucólica e memorável. Nesse dia, pude segui-lo de perto pela terra molhada da chuva. Doces memórias. Continuamos o passeio e andamos pelos campos. A paisagem era de encher os olhos de alegria. Caminhamos nesse trajeto de veados campeiros, gaviões e pássaros diversos, com a harmonia da chuva – ora densa, ora como uma garoa deliciosa.
Já no restaurante, com sua moradora centenária, com comida caseira no fogão a lenha, numa tarde molhada no alto da Serra da Canastra, presto atenção em um típico encontro entre contadores de causos. Observo a conversa indo e a conversa voltando em torno de três homens, e no centro da mesa, um queijo. Meu olho cresceu nesse queijo da canastra – o puro dos puros, o legítimo dos legítimos. Então, num impulso, direcionei-me a um deles:
– Moço, onde conseguiu o queijo e quanto custou?
Um olhar de estranhamento veio em minha direção. E a resposta: “Moça, aqui a gente come primeiro e depois pergunta o preço”.
É outra postura de ética com a vida. Afinal, era uma tarde preguiçosa no alto da Canastra. No vai e vem dos grandes centros urbanos, perdemos algo que nos desloca da paz de ver a vida acontecer. Turista, às vezes, carrega um ranço da sua origem…
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