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Marcelo Camelo: o artista ausente

Marcelo Camelo: ausente – Fonte: Internet

Às 11 da manhã, o cantor Marcelo Camelo acordou sem saber se toma seu café ou se espera mais uma hora até o almoço.

Enquanto isso, sua esposa Mallu já deu banho na filha e agora limpa o peixe.

Enquanto fuma seu Kent sabor menta, Camelo pensa no que fazer ao longo do dia, sem estar certo se iria mesmo sair de casa hoje.

Há dez anos tem sido assim, desde que se mudou para Portugal. 

Camelo não pode nem ouvir a palavra “trabalho”. Aos 46 anos, ganha a vida cafetinando os fãs com turnês caça-níquel dos Los Hermanos. A cada cinco anos ele faz um showzinho aqui, outro ali, e passa o chapéu e milhares de fanáticos para trás.

E é na conversa que ele se garante, quando fala da sua saudade e carinho pelo público, quando na verdade, não os suporta.

Sabe que sua banda é extremamente criticada pelo fato de ter fãs bostas, nem tanto pelo som, que é bom. E também tem consciência de que seu golpe do sumiço já está manjado pelo público. Na internet, eles incessantemente cobram um novo álbum e uma nova turnê.

Camelo odeia ver do palco seus fãs com a mesma histeria chorosa do Xou da Xuxa, assim que a viam a rainha dos baixinhos descer da nave. Fica constrangido os vê-los rasgar o cu com a unha e berrar todas as músicas. São ridículos com a faixa na testa escrita LOS HERMANOS, acreditando que todas as canções se encaixam perfeitamente em suas vidas de adulto depressivo e sentimentalóide.

Camelo tentou a carreira solo, mas, desgostosamente descobriu que seus fãs eram os mesmos da antiga banda e desistiu. Depois disso, pelo mesmo motivo, criou e afundou a Banda do Mar já no primeiro e único álbum, sabendo que qualquer coisa que ele cante, por mais diferente que seja, será eternamente perseguido por essa malta de idiotas.

Camelo fez um álbum de quatro músicas chamado Sinfonia Nº1 Primitiva, todas elas instrumentais, mas ficou tão ruim que nem mesmo ele quis ouvir.

Gostem os críticos ou não, os Los Hermanos são a única banda brasileira capaz de lotar os estádios de futebol pelo Brasil.  E Camelo sabe e vive disso.

Financeiramente falando, é lindo. Ele trabalha por três meses a cada cinco anos.

É quase um Neymar, que vive no departamento médico do Al-Hilal, seu time da Arábia Saudita. O ex-jogador em atividade se recupera fazendo filhos e presença vip em boates e cruzeiros. Também sonega impostos, faz lobby para a privatização das praias, apóia o genocida inelegível e fala merda na internet. 

Camelo é o artista que não canta nem compõe, não posta nada no Instagram há mais de quatro anos e não aparece nem no perfil da sua esposa, Mallu Magalhães. Ela, por sua vez, segue gravando álbuns e fazendo shows normalmente, além, é claro, de cuidar da filha, e, em grande medida, dele.

Enquanto acende outro Kent mentolado e toma um cafezinho, Camelo lembra que, meu deus do ceu, hoje tem jogo do Vasco. Impossível ser vascaíno e feliz ao mesmo tempo, pensa.

Lamenta ter saído há tempos do Brasil e ainda hoje estar ainda preso às suas memórias afetivas. E o Vasco não o ajuda em nada a sair dessa eterna melancolia e prostração. Na real, o Vasco só atrapalha.

Camelo ri das bandas que imitam a sonoridade do Los Hermanos. Certamente, a mais ridícula e engraçada é a tal Móveis Coloniais de Acaju, uma mistura cagada de Inimigos do Rei com Nação Zumbi. Não tinha mesmo como dar bom, pensa ele sarcasticamente.

Camelo tem consciência de que um homem, depois que casa e vira pai, automaticamente se transforma em um camisolão. Mas sabe que exagerou na dose. Virou um chinelo velho dentro de casa, com seu pijama puído e barba de mendigo de praça de rodoviária.

Com sua calvície extremamente acentuada e barriga de prisão de ventre, sabe que seus dias de galã feio ficaram no passado. A beleza jovem e exuberante de Mallu também não ajuda, ele sente que ao seu lado fica ainda mais acabado, com seu visual de papudinho de buteco.

Até por isso evita aparecer nas redes sociais, e só sai de casa camuflado com o boné das Casas Bahia e seu inseparável Ray Ban, o mesmo que, duas décadas atrás, usou até de noite depois que recebeu em sua cara um contundente argumento manual do Chorão.

Dia desses, enquanto jogava dama e milho para os pombos em uma praça de Lisboa, encontrou sem querer com a Luana Piovani, mas preferiu fingir não tê-la visto. Em sua época áurea nas noites cariocas, já chegou a flertar com a maior musa do Rio, mas, na hora H, pagou pau.

Se antes não teve coragem, imagina agora, consciente de ter rodado murcho nos últimos anos. 

Marcelo leu sobre a volta de Paul McCartney ao Brasil e se surpreende com a disposição para o trabalho e a performance do ex-Beatle no palco. Aos 82 anos, Paul está muito conservado, ainda que esteja a cara do pai do Kiko.

Sabe que Roberto Carlos, aos 83 anos, já está sendo descongelado para vestir seu blazer azul e cantar “meu cachorro me sorriu latindo” no Natal da Globo.

Viu no Fofocalizando que Latino continua fazendo shows surpresa. Pai de dez filhos e devedor de pensão, usa dessa estratégia para que o oficial de justiça não recolha seu cachê. Um verdadeiro artista de direita e defensor da família, pensa ele.

Assistiu na Sônia Abrão que Gretchen, após quinze casamentos e incontáveis cirurgias plásticas, continua rebolando seu freak le boom boom na internet em busca dos seus trocados.

Soube que seus amigos do Jota Quest, à contragosto do público, seguem gravando álbuns que ninguém ouve e insistindo em fazer shows que ninguém vai.

Viu na TV que Liminha, mesmo depois de perder parte dos movimentos faciais com o AVC, segue animando as platéias do SBT.

Mallu lhe disse que Michael Jackson está para começar uma nova turnê, com seu monnwalk e aquela pegadinha marota no saco, dessa vez como holograma.

Show must go on, pensou Camelo, enquanto acende outro Kent menta.

À espera do almoço, vê qual é o filme de hoje na Sessão da Tarde e fica puto com Globo, que, pela nonagésima quinta vez reprisa Crocodilo Dundee.

Ocupado dos grandes questões humanísticas e filosóficas, Camelo segue encabulado com sua maior preocupação: será que nesse ano o Vasco vai novamente lutar pra não cair?…

 

Daniela Piroli Cabral

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  • Obrigado, Juliana.
    Escrevi esse texto ficcional como uma provocação carinhosa ao Camelo, que é o cantor brasileiro da nova geração que mais gosto.
    Infelizmente ele tá nessa mumunha de fugir dos palcos e do público.

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Daniela Piroli Cabral
Tags: Humormúsica

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