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Cadeira do Papai

Peter Rossi

Certos hábitos não mudam! Estava a pensar, depois de assistir a um filme noir, em preto e branco – aliás, uma de minhas paixões – cuja cena final representa um velho homem, sentado na varanda em sua cadeira preferida, a admirar uma plantação dourada de trigo. Pernas esticadas e um cigarro na boca.

Tão logo apareceram os créditos finais, fiquei a pensar na solenidade e, mais ainda, na importância que isso representa para um homem.

Procurei lembrar se meu pai tinha uma cadeira favorita, mas não consegui alcançar nenhuma imagem, nenhuma situação específica.

Me lembro que, menino, as lojas de móveis anunciavam a “cadeira do papai”, que passou a ser nome próprio para um conjunto composto de uma cadeira confortável e uma otomana em que se pudesse esticar as pernas, mantendo-as na altura do assento.

De tais cadeiras, me recordo, só não consigo me lembrar se meu pai alguma vez esteve numa delas instalado, e mais, se a reclamara para si, como seu recanto favorito, a bolha que o afastasse dos problemas do mundo.

Ao que parece, a tal cadeira, mais do que cadeira, representava um refúgio, o canto do herói cansado, exausto após centenas de batalhas vencidas.

Confesso que me deu uma vontade danada de me esbaldar numa cadeira dessas. Mas, onde encontrar? Recorri ao telefone celular e rapidamente encontrei diversos modelos para vender. Não imaginava que tivessem sobrevivido.

Na verdade, imaginei que os tempos modernos não autorizassem tal parada obrigatória, afinal, meditar, ou mesmo esquecer da vida por alguns parcos minutos é inconcebível pelas regras atuais.

Mas, fato é que tais cadeiras ainda estão à venda. Mais sofisticadas, é verdade, algumas reclináveis, outras elétricas, até massageadoras existem. Mas são paraísos artificiais. A vida de hoje não concebe o ato de simplesmente parar. Ela corre nos trilhos elétricos da imediatidade, a mais de 300 quilômetros por hora. Afinal, parar pra quê?

A cadeira deve ser rebatizada, penso eu. Deve, doravante, ser alcunhada de “cadeira do vovô”. Os pais hão de permanecer eretos e atuantes.

Em meio a tais divagações, concluo que tenho como um dos objetivos de vida, encontrar essa cadeira. Espreguiçar, esticar as pernas, acender um charuto e, com um livro nas mãos, viajar hora e meia. Não precisa de um campo de trigo, o livro já me permitirá paisagens inesquecíveis. Um copo de Vinho do Porto ou um single malt também não cairia mal.

Não pretendo fazer desse cenário a tônica de minha vida futura, mas, efetivamente, quero usufruir desse icônico momento com certa regularidade.

E mais, sem ainda experimentar efusivamente, me arrisco a sugerir aos que possam, que tentem. A cadeira do vovô nada mais é que uma astronave silenciosa, ritmada e amigável que nos permitirá conhecer novos mundos.

O sabor áspero do charuto, meneado pela intensidade do malte ou do vinho, são companhias essenciais. E não nos esqueçamos do livro, esse é o para-brisas da nave, é através dele que conheceremos nossos destinos.

Pronto! Devidamente municiados, devemos viajar, ainda que por hora e meia. Não precisa mais. A gente apaga o mundo à nossa volta e mergulha no espaço. Pulmões atentos, coração envolvido, olhos interessados. Os demais órgãos, esses que relaxem. Vez ou outra a garganta recebe o rufar do sabor líquido. No mais, a vida que passe! E, por que não dizer, a vida que acompanhe!

Sim, ela pode se encostar na cadeira, desde que quietinha fique, esperando o seu momento. E muda! Muda não no sentido oposto de ficar diferente. Muda ao não suspirar palavra alguma. Vida silenciosa, à espreita. Vida – eu te peço – nessa hora, passa devagar. O poeta já dizia assim. Não que meu coração seja frágil, embora tratar-se de um fato evidente. Mas, o que meu coração quer, é bater compassado e preguiçoso, sem sobressaltos. Sem baixos, sem altos. Deixa que eu me permita não ter a mínima noção do mundo ao entorno. Me permita ser feliz, nem que seja por hora e meia.

A fumaça de um gris azulado cuidará de estabelecer um campo de segurança, meus olhos perdidos na viagem, porém seguros. Papilas umedecidas pelo álcool a, como ópio, nos permitir mergulhar mais ainda, nos levar dali.

A vida, ainda inerte, porém atenta, a esperar. Ela sabe que precisamos nos sentar naquela cadeira. Vida sábia, matreira.

E nós, ali sentados, com a exata noção de que não precisa muita coisa pra ser feliz!

Blogueiro

View Comments

  • Essas cadeiras nos trazem boas lembranças. Momentos de descanso, leitura ,ouvir músicas ou futebol no rádio de pilha.
    Assim lembro do meu pai. Eu já tenho a minha,bem confortada na minha sala azul.
    Vc nos trouxe relatos gostosos de lembrar.

  • Assento hoje na cadeira do meu pai. Ela me abraça, como se fosse o abraço dele. O couro marrom, vez ou outra, abriga minhas lágrimas de um sentimento chamado saudade....

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