Caminham pelo longo corredor que range, duas jovens senhoras. Seus corpos, que essas paredes de drywall viram perder o viço juvenil, já mostram sinais de cansaço, pelos anos de trabalho. O piso elevado, ou flutuante, sobre suportes próprios para que passem sob eles tubos e fios lógicos e elétricos, reflete o som de seus passos, hoje mais lentos que de quando vieram felizes, radiantes, para posse no cargo a que fizeram jus, pelo concurso.
É muito cedo ainda e seus olhos buscam portas abertas. Será que alguém já chegou? Antes de nós? Exceto pelo leve ecoar de seus sapatos, há um quase completo silêncio. Até mesmo o chiado incômodo do ar-condicionado está ausente. Ainda não foi ligado. Um bom dia ao pessoal da empresa de conservação e pouco a falarem uma com a outra. É de tempos quase imemoriais a sua amizade, por isso há pouco o que dizer que já não saibam a respeito uma da outra.
– Quanto tempo falta para você?
– Já tenho tempo. Estou esperando o programa de incentivo e, talvez, me aposente. Acho que no ano que vem. E você? Também está no “Abono de Permanência”?
– Sim, mas não estou pensando em parar. Separei do “ex” há onze anos. Meus dois filhos moram longe. Não sei o que faria se parasse agora.
– Seus filhos moram onde?
– A Janice se casou e foi para o Canadá. Está trabalhando com o marido num negócio de lavanderia. O Dedé foi pra França e casou-se por lá com uma moça albanesa.
A fala, quase um suspiro, indica a ausência optada pelos filhos. E o semblante, que ainda conserva traços de uma beleza simples, mostra também a tristeza da solidão que sua casa representa. Muitas pessoas se entregam ao trabalho de corpo e alma, fazendo do ambiente corporativo muito mais do que as horas de ganhar o sustento. E, não raro, as relações da família natural são mais frágeis do que com a “família” laboral.
– Ah! Eu quero parar enquanto ainda tenho alguma energia. Vou viajar, conhecer alguns lugares, talvez até uma viagem internacional ou um cruzeiro. Já doei meu tempo, minhas energias. Agora vou “curtir” um pouco. Você viu aquele moço da SGRA, do oitavo andar? PcD. Trabalhou muito e agora, com a chegada de novos servidores, viu esvaziadas suas funções. Isso, agora, depois de tanto esforço e dedicação, não se justifica. Não quero isso para mim, não. O que você acha?
– Eu sei como é isso. Vivi essa situação diversas vezes aqui. Pelo menos uns quatro chefes que passaram pelo meu Setor chegaram querendo mudar tudo, como se, até a chegada deles, isso aqui não existisse ou não funcionasse. Falta um mínimo de respeito, falta empatia. Até me lembra aquela poesia do Bertold Brecht: “Vós que vireis na crista da onda em que nos afogamos, quando falardes de nossas fraquezas, pensai também no tempo sombrio a que haveis escapado.” Mas já queimei meus cartuchos. Não saberia tentar de novo.
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