Há uma fase boa em nossas histórias que, sem que nos demos conta, os hormônios parecem ganhar uma dose extra de estimulantes. E então, adolescentes, acreditamos amar “para sempre” a primeira pessoa que nos dirige um tipo de olhar que até então não percebíamos. Aquele olhar que traz em si uma torrente de sentimentos envolventes, cuja descrição demanda palavras e termos que ainda não conhecemos. Capazes de alterar profundamente a percepção que se tem das cores, dos aromas, das sensações táteis. É tão bom, tão intenso que muitas vezes, pela interpretação equivocadas de preceitos religiosos, acreditamos ser “pecado”. Em verdade, pecado é querer domar essas deliciosas e assustadoras emoções que aceleram o coração, causam tremor e suor enquanto alteram a respiração.
E aqueles que viveram toda a efervescência da segunda metade do século XX ficamos expostos a um período de grandiosas mudanças. O impacto das novas tecnologias, os avanços admiráveis da ciência, que fizeram o mundo girar mais rápido, mais pavimentado e mais iluminado, criou mais segurança ao tornar disponíveis e acessíveis vacinas maravilhosas, como a da poliomielite; entre outros avanços importantes da medicina preventiva e curativa. As artes se avizinharam das pessoas;eliminaram-se barreiras à aproximação do conhecimento, agora facilmente acessível.
Por outro lado, numa visão realista, por tamanhas facilidades, muito se perdeu do valor das coisas e das pessoas. E aquele querer por simplesmente querer iniciou o processo materializador do querer utilitário. Como era comum nas relações monárquicas, os concertos relacionais entre príncipes tinham o viés eminentemente político, com objetivo de produzir os sucessores aos tronos. Sexo sem paixão, amor funcional, como numa linha de produção. E essa forma, até então incomum aos súditos, passou a definir os conúbios modernos. E aquela estória do “até que a mortes os separe” deixou de ser vaticínio para compor, na cerimônia festiva, apenas mais um item para entretenimento dos convivas.
Mas, afinal, é de se crer que estamos melhores a cada dia. Cada tempo tem seus desafios, suas alegrias, suas especificidades. O saudosismo ponderado faz bem. O exacerbado, não. Por isso, lembrar das emoções divinas que o grande poeta Vinícius de Moares instilou, nos guia ao estado de espírito de um amor dolente e ao mesmo tempo grandioso. “Para viver um grande amor / Primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro / E ser de sua dama por inteiro…”. Só mesmo o apaixonado Vinicius, protagonista de tantas relações profundas com amor “infinito, enquanto dure”, para expressar com tamanha propriedade as excelsas experiências da paixão. Ou, ainda, como descreveram perdas, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas, na sofrida canção “Neste mesmo lugar” (1956), lançada pela magnífica Dalva de Oliveira, com arranjo de Tom Jobim:
“Só falta agora a porta se abrir / e ela ao lado de outro chegar / e por mim passar / sem me olhar”.
É amor demais envolvido. E nesse contexto, já adulto, ao chegar do trabalho, cansado, ouço a belíssima mulher que me fascinou dizer jeitosa e com carinho: “Que bom que você chegou, vida “.
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