Daniela Piroli Cabral
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Outro dia, fazendo uma caminhada em Tiradentes, percebi que precisava parar. Percebi que precisava retornar, a despeito de querer muito concluir a caminhada e chegar ao destino final.

Quem me conhece sabe que adoro trekking, tenho um bom preparo físico e não sou muito de desistir facilmente das coisas que quero e me proponho a fazer. Mas eu não havia dormido muito bem à noite e o forte ritmo imposto ao grupo pelo guia que nos liderava logo no início da caminhada, num terreno bastante íngreme, fez aquele trajeto parecer penoso demais.

O sol já era dez horas da manhã, eu transpirava como uma tampa de panela e as pernas trêmulas e o coração acelerado feito bateria de escola de samba pediam uma pausa. Consegui seguir assim por quase uma hora, quando decidi parar e retornar. Aquele não era o meu ritmo, aquele não era o meu jeito de caminhar.

Gosto de andar com passos acelerados porque eles ensinam a consciência do corpo. Mas gosto também de contemplar a paisagem, a vegetação e os sons da natureza. Fotografar alguma curiosidade no percurso. Se continuasse naquele ritmo, ia penalizar demais o meu corpo e a minha experiência de fim de semana, além de estragar o passeio dos colegas ligeiros que acompanhavam.

Voltei descendo sozinha os quase dois quilômetros da Serra de São José em silêncio, tentando fazer respirações profundas, num misto de frustração e alívio. Cheguei ao centro da cidade filosofando sobre as trilhas. Ali na praça, pedi uma cerveja bem gelada enquanto pensava na vida.

De vez em quando, a vida é como a trilha e nos coloca diante de encruzilhadas: dois caminhos opostos, mas aparentemente semelhantes. Por qual seguir? E se? A vida também oferece atalhos para quem sabe reconhecê-los.

Outras vezes, ela impõe desvios não planejados na rota inicial. De vez em quando, cai barreira, chuva e raio. De vez em quando, o único trajeto é caminhar sozinha num túnel fechado, sem saber quando termina o medo e a escuridão.

Por vezes, temos que nos proteger do clima e do ambiente ao redor, nos desvencilhar do mato, do cansaço, do mau humor, das neuroses. Temos que enfrentar as quedas. Sim, elas acontecem com bastante frequência.

A gente aprende a andar em terreno de pedra, cascalho e areia. Em terra molhada, a gente pisa onde tem mato para não escorregar. A gente aprende a andar em dunas velhas, que são firmes e sólidas. Já nas dunas novas, macias e fofas, feitas pela ação constante do vento, temos que ter técnica no pisar para não atolar.

A vida exige perseverança para continuar. A vida é movimento, uma tentativa constante de se equilibrar no precário. O sentido da vida é mesmo o próprio percurso e não o destino final.

Daniela Piroli Cabral

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