Naquela infância muito feliz, apesar das pernas finas que mal me sustentavam entre os ferros de um aparelho ortopédico, a liberdade era um presente diário. Brincávamos com bolinhas de gude ou tampinhas de garrafas; soltávamos papagaio, cujo nome foi ajustado ao gosto paulista, passando a ser mais conhecido como “soltar pipa”; jogo de finca; e outros, jogados de pé, em que participei quase sempre como plateia, como futebol, amarelinha e queimada.
Era muito bom estar ali entre outros tantos meninos e meninas que corriam, desviavam das bolas na queimada ou a chutavam no futebol. Tínhamos nossos heróis entre os competidores, na grande maioria das vezes, para mim, eram meus irmãos mais velhos. E as heroínas eram as meninas-moçasque nos encantavam por sua beleza, muito mais do que pela destreza nos jogos. Eram mais barulhentas, e expressavam com mais ímpeto as emoções de momento, gargalhando alto após um lance de sucesso e, às vezes, chorando pelos pequenos fracassos nas competições. Eram sempre mais intensas, com brilho fulgurante nos olhos, alegrias e tristezas mais sinceras e, portanto, mais envolventes.
Na maioria das vezes, a definição dos times se dava pelo número da rua de cada contendor. Morávamos na rua 8 e competia-se contra a rua 7, acima da nossa, e, mais frequentemente, contra a temível rua 10, um pouco abaixo. As equipes da nossa rua se compunham majoritariamente de meninos, mas havia algumas meninas também. Na de cima, a rua 7, o número de meninas era quase igual ao de meninos. Mas na rua de baixo, a temível rua 10, eram só meninos. Exageradamente competitivos, quase sempre à flor da pele.
Aqueles que estudávamos pela manhã, chegávamos em casa por volta de meio dia, a tempo de ouvir o religioso locutor da então famosa Rádio Aparecida, de São Paulo, dizer com toda a pompa de seu empostado vozeirão:
“ – Os ponteiros apontam para o infinito! “
Despois do almoço, já terminado o programa católico, era hora de sair para brincar ouvindo o grande Sílvio Caldas cantando “A Deusa da Minha Rua” (1939), de Newton Teixeira e Jorge Faraj, em gravação de 1942. Eu ficava ansioso, na expectativa de que a Iris, menina de seus 14 ou 15 anos, viesse da rua 7, para jogar queimada, quase em frente à nossa casa. Nela estavam, a meu ver, todos os elementos de paixão que a música suscitava: olhos claros; de cabelo louros suavemente anelados, que era incomum entre as pessoas daquela vizinhança; mais veloz e precisa nos arremessos que a maioria dos meninos, mesmo com mãos e pés tão pequenos para sua altura. Era um espetáculo à parte assistir a ela, muito mais que à competição, correndo, desviando dos ataques e, entregando ao universo um sorriso absolutamente encantador, que eu imaginava ser por mim. Quando o time dela vencia, especialmente quando a vitória fosse consequência de um ataque que ela protagonizasse, seguiam os pulos de alegria com os braços erguidos e os sonhados abraços que nunca cheguei a receber.
Mário Sérgio Todos os preparativos, naquele sábado, pareciam exigir mais concentração de esforço. Afinal, havia…
Rosangela Maluf Gostei sim, quando era ainda criança e a magia das festas natalinas me…
Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Com a proximidade do Natal e festas de fim de ano, já…
Peter Rossi Me pego, por curiosidade pura, pensando como as cores influenciam a nossa vida.…
Wander Aguiar Finalizando minha aventura pelo Caminho de Santiago, decidi parar em Luxemburgo antes de…
Como é bom ir se transformando na gente. Assumir a própria esquisitice. Sair do armário…