Recentemente, teve um imbróglio lá no meu condomínio. 

Uma briga entre vizinhos por um pedaço de lote. Um vizinho afirmava que o outro invadiu o espaço dele. O outro dizia que não, que ali era seu direito. Na posição de coordenadora de obras (não me pergunte como cheguei até essa função), fui conversar com ambos. Ao falar com o primeiro, lhe dei total razão. Ao ouvir o segundo, mudei de ideia. E permaneci assim, oscilando entre a verdade de cada um dos dois de acordo com quem, dentre eles, eu conversava. 

Os dois estavam certos. E os dois estavam errados.

É muito difícil ser absoluto em uma mediação. E a justiça é a coisa mais relativa que tem.

No impasse, ficamos todos com cara de tacho. Ninguém decidia se mover. Nem as partes, nem quem foi chamado para interferir. Todo mundo tenso, estagnado em suas posições.

Por fim, espontaneamente, um dos lados resolveu ceder. Não mudou de ideia, mas agiu visando a paz. O outro lado saiu feliz, satisfeito em se sentir com a razão. O lado que cedeu não ligou. Preferiu encerrar logo a briga e cessar o investimento de energia em discussão.

Pensei se a verdadeira justiça não seria essa. Aquela que se faz consigo e que vai contra uma forte obsessão. Que une escolha, paz, conforto, economia e preguiça. E ainda oferece um carinho para o lado de lá, se sobrar.

As regras do mundo, os documentos, as escrituras são duras demais. É preciso rasgar esses papéis às vezes. A vida não é toda arrumadinha assim não. De vez em quando venta, bagunça tudo, quebra uma janela, mistura água, caco de vidro, sangue e pareceres. Fica tudo ali sem sentido e todo mundo em volta se batendo por papel.

Tem coisas que podem ser formalizadas de um jeito menos formal.

E foi assim que aconteceu. Não choveu nem ventou, mas baixou uma luz por ali e alguém se resolveu. Sem justiça de juiz, mas por pura opção. Achei bonito e ecológico. Um ato de verdadeira diplomacia.

 

Tais Civitarese

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