(texto original publicado em set/22)
“… é sempre possível convencer alguém a viver pelo menos mais algumas horas para que se possa ter o prazer de uma mousse de chocolate com avelã, um vinho forte com gorgonzola, sempre me parece absurdo que alguém não escolha suportar só mais uns instantes a vida em troca de uma panela inteira de brigadeiro quente…” (Mariana Salomão Carrara, Não fossem as sílabas do sábado, p. 104–105)
Na última quarta de setembro, neste mês que é dedicado à prevenção do suicídio e ao cuidado da saúde mental, eu venho escrever inspirada pelas palavras da Mariana Salomão Carrara e sobre todas as coisas que podem acontecer quando a gente não desiste.
Claro que tem dias que são muito difíceis, dolorosos, desafiantes. Mas esses dias não devem ser parâmetro para definir todos os outros momentos da vida.
Claro que a gente tem pressa e odeia ter frustrações. Mas não adianta ter pressa, a vida acontece de dentro para fora, em um ritmo próprio, que escapa ao nosso controle e nos dão uma breve dimensão do que é, de fato, relevante.
Claro que a vida parece enfadonha, na monotonia repetitiva dos dias. Mas o destino tem seus próprios desígnios e é importante aprender a sucumbir ao imperativo da originalidade.
Claro que a gente tenta fugir dos fantasmas da mediocridade, da vaidade e da arrogância. É preciso inventar fugas, naturalizar o fracasso e flexibilizar a urgência do sucesso. Todo erro é a materialização do que a gente desconhece.
Claro que tem dias que nos falta a clareza de quem a gente é de verdade. Tem dias que até as palavras faltam e é preciso aprender a escutar os barulhos que vem dos silêncios.
Claro que tem dias que a gente não sobrevive. Mas é importante saber que há momentos que valem uma existência inteira. Uma música, um encontro, uma memória. Instantes em que o tempo perde sua linearidade e nos projeta para o futuro, para além da nossa morte, ou nos remete ao passado, reverberando, ao mesmo tempo, imortalidade e ancestralidade.
Claro que tem dias que é difícil sustentar a densidade do viver, mas a morte pode ser sempre adiada por um desejo, por um prato de brigadeiro, por um prazer volátil. O mundo não precisa ser compreendido nem ordenado. O mundo está aí para nós, para ser experimentado através do corpo, matéria sensível, perecível.
O mundo está aí para ser vivido através dos sentidos. O toque, o cheiro, o gosto, a temperatura quente da respiração. Os ruídos da chuva e o cheiro de canela. Os raios de sol que entram pela janela. O olhar que sustenta o desejo.
O tempo muda todas as coisas, a despeito de nossa vontade de preservá-las. E sim, existem coisas que ficam para a gente aproveitar mais tarde.
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Toda oportunidade de ler um texto, não deixado para trás, pois, se deixá-lo ir, sei que posso não ter uma 2ª chance. Obrigado pela escrita e até o próximo.