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Mendoza

Peter Rossi

Depois de conhecer meio mundo, calhou de vir até Mendoza, pela primeira vez. Estou absolutamente encantado. Um tempo terno, brasileiro de dia, europeu à noite.

Montanhas vestidas de bolinhas de isopor ladeando a cidade.

Experiências magníficas, com a de ontem, na Divina Comédia, de Dante, passando pelo inferno numa cava assustadora, procurando se redimir no purgatório, subindo uma escada com degraus de azulejos hidráulicos até atingir o paraíso.

E o paraíso é composto de mesas, taças e garrafas. Dezenas delas, tudo circundado por um espaço maravilhoso em que as parreiras teimam em terminar o sono invernal e frutificar, afinal a primavera se aproxima.

Pelo vidro e no calor das lareiras, um céu nem tão escuro, com lua a estrelas a pontilhar até o horizonte.

Quando menos esperamos uma gentil senhorita nos aborda, dizendo que os passos do jantar estão começando. São dez os passos! Tantos, mas tão felizes. Nos empanturramos mesmo foi de vinho e de felicidade. Riso solto, otimismo em tudo que vimos pela frente, brilhos fáceis, sorrisos, amigos que nunca vimos antes.

Essa sim é um viagem que precisava ter feito. E nem digo que foi fora de hora, que chegou atrasada. Nada disso, ela me esperou aos sessenta para que eu desfrutasse mais. Um olhar mais calmo sobre as coisas. Uma ternura em mirar tudo bem devagar.

Passado o sonho de Baco, numa festança de sabores nunca dantes experimentados, regados a um vinho de cada vez, cada um melhor que o outro, nos permitimos visitar a natureza.

Numa estrada muito linda, chegamos à cordilheira e, sob um frio de 20 graus negativos, vimos o abraço do Aconcágua a se debruçar sobre nós, dos quase seus sete mil metros de altura. Um vento cortante que nos permitiu uma breve visita.

Aquele lugar não nos é adequado, apesar de tão belo. Olhando o pico da montanha me imaginei tentando alcançá-lo. Não demorou a me perguntar o que faz o homem enfrentar tamanha intempérie só pra realizar um sonho, o de quase alcançar o céu.

Não teria coragem, tampouco disposição, mas não consigo esconder a minha admiração por essas pessoas que, contra tudo e contra todos, enfrentam situações de penúria apenas para se deitarem depois com os sonhos realizados.

A vida é isso mesmo, sonhos em profusão, alguns realizados, outros nãos. É clichê, eu sei, mas correr atrás do sonho, mesmo que ele saia em desabalada carreira e se afaste cada vez mais, também é uma empreitada e tanto.

Sigo daqui, escolhendo sonhos mais leves, alguns frutados, outros com mais tanino, a derramar prazer na minha garganta, aquecendo meu coração.

Amanhã novas surpresas virão, com certeza. Depois eu conto.

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