Categories: Daniela Piroli Cabral

Setembro amarelo: por uma política de vida

Daniela Piroli Cabral
danielapirolicabral@gmail.com

O mês de setembro está ai e o que não faltam são mensagens motivacionais ou de alerta sobre a prevenção do suicídio nas redes sociais. Muitas instituições e profissionais da saúde estão propondo a falar sobre o tema, realizando palestras e debates a respeito. Até ai, tudo bem. 

No entanto, é preciso evitar a lógica biologicista, patologizante e individualizante do comportamento suicida. É importante olhar com certa crítica às narrativas de valorização da vida que espalham positividade e otimismo que e, que às vezes, transmitem uma ideia moralista da vida. 

A lógica da prevenção só cabe sob a ótica coletiva sendo que a prevenção do suicídio deve pressupor, em primeiro lugar, a luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

Alguns dados:

  • em termos globais, 79% dos suicídios ocorrem em países de baixa renda;
  • a taxa de suicídio na população indígena é três vezes maior que na população geral;
  • os jovens negros tem risco aumentado de 45% em mortes autoprovocadas em relação aos jovens brancos
  • em um estudo com 30 mil participantes, a propensão de suicídio em heterossexuais foi de 4%, enquanto em heterodissidentes foi de 20%,
  • ao longo da vida, 1,6% das pessoas cisgênero tentou suicídio, enquanto 41% das pessoas transgêneras atentaram contra a própria vida.

Assim, vê-se que os atravessamentos de desigualdade social, raça e gênero são marcadores importantes no comportamento suicida. As distribuições desiguais, inclusive das possibilidades de viver e do morrer, que foram alicerces da experiência colonial ainda se fazem presentes no nosso cotidiano em dinâmicas de violência que “empurram” certas populações para fora da existência.

Além disso, a fragilização de vidas e do viver por políticas de não reconhecimento leva a deslegitimação de certos lugares sociais, criando certas “hierarquias” de vida vivíveis. 

Muitas vezes, o direito de existir é simplesmente negado por relações de poder, de opressão, de dominação, de fragilização, de exploração, de desterritorialização. Assim, a prevenção do suicídio deve ser um ato político que denuncia das desigualdades que produzem o sofrimento e o adoecimento humano.

Além disso, também é necessário questionar a defesa da vida como valor absoluto, evitando que a imposição do valor da vida se torne um dever de viver. A vida envolve reconhecimento, pertencimento, laço e justiça social. Ela abrange direitos humanos, dignidade, autonomia, ética e acesso a cuidado. A prevenção do suicídio deve passar por tudo isso também.

Fonte:

Lima, Luana. Suicídio: um ethos do neoliberalismo? In: Lima, L.; Navasconi, P.V.P. (Re) pensando o suicídio. Salvador: EDUFBA, 2022.

Daniela Piroli Cabral

Recent Posts

Mãe

Rosangela Maluf Ah, bem que você poderia ter ficado mais um pouco; só um pouquinho…

2 horas ago

Calma que vai piorar

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Depois que publiquei dois textos com a seleção de manchetes que escandalizam…

20 horas ago

Mercados Tailandeses

Wander Aguiar Para nós, brasileiros, a Tailândia geralmente está associada às suas praias de águas…

2 dias ago

Salvar uma vida

  A rede de apoio é realmente o dispositivo onde uma vida em queda se…

2 dias ago

Entre contrastes

Sandra Belchiolina sandra@arteyvida.com.br O céu azul, azul Contrasta com o verde, verde da mata O…

3 dias ago

Trauma

Daniela Piroli Cabral danielapirolicabral@gmail.com A invasão traumática e o cimento simbólico colado no coração do…

4 dias ago