Taís Civitarese

O bullying é um comportamento com origem em nossos impulsos mais primitivos. Ele está presente em todas as classes sociais e mesmo em culturas muito diferentes entre si. Há algo no ser humano que o leva a oprimir o outro como forma de autodefesa e de perpetuação de sua própria existência.

Uma vez contextualizados dentro de uma sociedade contemporânea, nossos impulsos devem ser modulados pelas leis e por moderações que nos impeçam de agir de maneira animalesca. Somos – supostamente – civilizados. Isso quer dizer que há muitos comportamentos que devem ser refreados. Parece bastante óbvio e é.

A prática do bullying nas escolas é frequentemente subestimada por adultos, sendo referida como um “rito de passagem” ou como uma “brincadeira entre crianças”. Ouve-se também o infame “sofri e sobrevivi”. Há que se pensar em que tipo de brincadeira resultaria em morte, surtos de matança em escolas, sofrimento mental duradouro e problemas de saúde psíquica na vida adulta…

Há um caminhão de coisas normalizadas no mundo que não são normais, ou que, inclusive, são crimes. Reconhecê-las é apenas o primeiro passo para extingui-las.

A julgar por suas consequências, o bullying não tem nada de infantil ou de inofensivo. Ele é responsável por danos diversos à saúde mental de suas vítimas, promove queda do rendimento e evasão escolar, depressão, ansiedade e comportamentos de automutilação. Não raro resulta em morte por suicídio, como vimos recentemente acontecer em um colégio paulistano.

Quem sofre bullying não esquece. E bullying mata. Se algo praticado por crianças e adolescentes pode ter consequências tão extremas, é preciso que haja medidas igualmente sérias para refrear tais ações.

Existem diversos artigos científicos com orientações sobre medidas anti-bullying comprovadamente eficazes. Elas envolvem o treinamento de todos os adultos dentro uma escola, o estímulo à denúncia anônima da prática, a busca ativa de informações sobre ocorrências pelos profissionais escolares, o acolhimento duradouro das vítimas, as sanções aos autores, o esclarecimento da comunidade como um todo sobre o assunto e a realização de dinâmicas frequentes entre os estudantes e suas famílias sobre o tema. Há muito o que se pode fazer dentro da instituição escolar na direção contrária de homogeneizar o perfil dos alunos ou cortar laços com programas de bolsas escolares…

Deixarei aqui mais uma sugestão não necessariamente comprovada cientificamente. Ela vem de certa percepção correlacional entre comportamentos. É preciso cuidar também do ambiente domiciliar. Crianças frequentemente referidas dentro de casa com termos pejorativos, ainda que em tom de “brincadeira”, tendem a repetir esse comportamento com seus pares. Sabemos que a família não está isenta de ser um cenário de delitos impunes e perfeitos. Moderação nas palavras para lidar com os nossos filhos nunca é demais. Desta forma, além de evitarmos novas vítimas (estranhamente familiares…), deixaremos de incentivar também novos autores e todo o sofrimento que essa cascata pode desencadear.

Referências:

1- Armitage R. Bullying in children: impact on child health. BMJ Paediatr Open. 2021 Mar 11;5(1):e000939. doi: 10.1136/bmjpo-2020-000939. PMID: 33782656; PMCID: PMC7957129.

2- https://www.cdc.gov/youth-violence/about/about-bullying.html

3- https://www.unicef.org/brazil/blog/bullying-e-violencia-escolar

4- https://piaui.folha.uol.com.br/suicidio-aluno-colegio-bandeirantes/amp/
5- Waseem M, Nickerson AB. Identifying and Addressing Bullying. 2023 Dec 13. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan–. PMID: 28722959.

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