Nossas emoções são provocadas por vários meios e maneiras. As que chegam do mundo externo estão em interação conosco o tempo todo. Nossa consciência e/ou inconsciente os seleciona (m)e faz(em) elos que se enlaçam com nossas vivências. As marcas deixadas pelas experiências infantis se misturam e interagem no presente, revivendo o que foi vivido no passado. Três momentos pelos quais passei essa semana me levaram a pensar sobre as artes e seus efeitos e como seus estímulos nos emocionam.
O primeiro foi o show de Chico César e Zeca Baleiro, ‘Arrepio da Lei’, que tive a oportunidade de assistir no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. O espetáculo, que carrega o mesmo nome da canção, transportou-me para o tempo das matinês dominicais no Cine Vera Cruz de Lagoa da Prata. Meu pai era amante da sétima arte e, por isso, o acompanhei em muitos e muitos filmes de faroeste projetados ali. A música ecoou melodiosa aos meus ouvidos, avivando memórias preciosas. Seus versos cantam: “ao arrepio da lei comecei a ir ao cinema // ver faroeste sem idade para entrar // no meu nordeste idade nunca foi problema // cidade pequena todo mundo estava lá // e o bilheteiro gostava da sala cheia // eu pagava meia pra ver Django se vingar // e aquela sede de justiça e de vingança // era cacimba em que minha alma de criança // eu mergulhava para o mundo enfrentar”. Um fluir de personagens, e no terceiro verso brinca com Franco Nero, Trinity e Zorro: “ao arrepio da lei, me criei contra o sistema // vender poemas virou minha profissão // com a viola a tiracolo, sou problema // carrego o lema de lutar contra a opressão // herói sincero, Franco Nero sem algema // que aos céus blasfema contra os donos do sertão // um Trinity que vai cantando sua balada // um Zorro zonzo e um tanto tonto cuja espada // é a palavra derramada pelo chão // ao arrepio da lei, eu sei // não me arrependo de nada”. A própria música é a incorporação das experiências infantis dos autores. E, como ressoou em mim!
Na mesma semana, os noticiários se debruçaram falando sobre a vida e a morte de Alain Delon, outro ícone das películas. Sua companheira de encenação, Brigitte Bardot, fala por aqueles que também se encantaram com a beleza e o profissionalismo do ator: “representou o melhor do ‘cinema de prestígio’ francês” e foi “um embaixador da elegância, do talento e da beleza” (Estadão, 18/08/24). Um belo vídeo circulou nas redes sociais dele cantando com Celine Dion a música ‘Parole Parole’ (Palavras, Palavras). Que voz sensual era a dele! Inegável esse seu atributo também. Consta que a música original é dele e de Dalida, e é de 1973.
Foi uma semana arrebatadora, e é com essa palavra – arrebatadora – que descrevo a apresentação de Fernanda Montenegro no Parque Ibirapuera para 15.000 espectadores. Uma diva do teatro, com seus noventa e quatro anos de idade, e seu desejo de interpretação é comovente: “Os olhos já não são os mesmos, os ouvidos já não são tão bons. Todo o sistema motor também já não está tão bem, mas ainda está sujeito, verbo e predicado inteirinhos aqui dentro, entendeu? Então, enquanto isso aqui estiver funcionando e eu tiver alguma possibilidade de me expressar, de que maneira for, vão me aguentar. Vão me aguentar porque é impossível parar. Não dá pra parar. É uma vocação, entendeu?” (grifo meu).
Seguimos com nossos sujeitos, verbos e predicados, com nossas palavras (parole, parole…) derramadas pelo chão, como canta o cantor, como escreve o poeta, como interpreta o ator e com as vidas que se fazem enlaçadas nas artes.
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