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Ancestralidade das Minhas Terras – Novo Apelo

Sandra Belchiolina

A crónica “A ancestralidade das minhas terras” foi escrito em outubro de 2020. Novamente o fogo corre nessa riqueza do patrimônio da humidade. Assim, o Parnacipó faz um novo apelo.
Segue sua história:

Vou contar um pouco da minha história. Acho que irão gostar, pois sou de terras ancestrais e tenho muitos “causos”. Tenho 1,7 bilhões de anos e minha origem era o fundo do mar. Com os movimentos tectônicos da Terra, placas se deslocaram e emergiram. As marcas das águas em minhas rochas sedimentares são vistas até hoje em muitos locais da minha extensão. Elas nasceram apontando para o oeste, para o pôr do sol, o que resulta em uma paisagem exótica e muito apreciada por todos que já transitaram por aqui nesses longos anos.

Sou parte da cadeia do Espinhaço e, em nossa beleza e riqueza de vida, atravessamos Minas Gerais e chegamos até a Bahia.

Em minhas terras abriguei os primeiros habitantes das Américas. Eles também deixaram suas pinturas rupestres em minhas rochas e lapas. A mulher mais antiga das Américas, Luzia, foi encontrada a poucos quilômetros daqui. Seus parentes e muitas outras tribos viveram em meus abrigos, comeram de meus frutos e beberam de minha água, isso há 13.000 anos.

Depois vieram os tropeiros. Sou riscado por suas trilhas. Eles buscavam minhas riquezas em ouro e diamantes, mas as encontraram mais além, no corpo central ao qual pertenço. Esse trajeto foi posteriormente chamado de Estrada Real, pois a coroa portuguesa levou muito de nosso ouro e diamante. Naquela época, estavam interessados nesse tipo de acumulação. Mas digo uma coisa: o que tenho é muito mais valioso e o será cada vez mais no futuro próximo.

Em seguida, chegaram os fazendeiros com seus gados e plantações. Um dia, enxergaram minha importância para o Brasil e para a humanidade. Foram criados contornos, e pude aliviar-me e cuidar de meus frutos e rios. Tornei-me uma área de preservação. Ufa!

Fui batizado em 1974 como parque estadual, mas devido à minha biodiversidade e à importância de minhas nascentes, em 1984, passei a ser o Parque Nacional da Serra do Cipó. O nome é derivado da localidade onde está inserida grande parte das nascentes da Bacia do Rio Cipó. Estou em uma região de grandes belezas cênicas, formada por serras, rios, cachoeiras, vegetação de cerrado, campos rupestres e de altitudes, com uma grande variedade biológica e sítios arqueológicos. Meu tamanho oficial é de 33.800 hectares.

Pinturas Rupestres – Arquivo Pessoal

Meu Rio Cipó é um menino importante! Suas águas são de classe A, o que significa que nem esgoto tratado deve ser despejado nelas. O Rio das Velhas só respira quando encontra meu rebento. A cidade grande judia dele. É uma pena o que fazem com o rio. Mas, com o oxigênio das águas boas do Cipó, ele segue em direção ao majestoso São Francisco, o rio da integração nacional. Veja a minha importância para o Brasil. Tenho minha guardiã – a APA Morro da Pedreira. Ela é meu cinturão de proteção. Nem sei o que seria de mim sem ela. O que sei é que tenho passado por bons perrengues com aqueles que não têm consciência e prezam mais a especulação imobiliária.

Em contrapartida, tenho boas pessoas que cuidam de mim e se movimentam para que a vida mantenha sua diversidade em mim. Por anos seguidos, venho sofrendo com o avanço do dito “progresso”; para mim, uma incompreensão dos fatos e da interligação das ações humanas sobre a Terra.

Hoje, dia 07 de outubro, após dez dias de sufoco, respiro melhor. E você que me lê também, pois está no entorno do Grande Cipó (não Grande BH e não Grande Mundo).

Digo isso porque a operação de combate ao fogo encerrou-se, não há calor que me ponha em risco neste momento. Desta vez, o começo do fogo foi em minha guardiã e se alastrou até minhas entranhas. Aconteceu no dia 27 de setembro, com um foco inicial em São José da Serra, no município de Jaboticatubas. Foram dias de perrengue. Desta vez, queimaram-se matas ciliares que nunca haviam sido afetadas. Ando preocupado com minhas águas, animais e plantas. Não sei se a ferida que estão me deixando se recupera. Sabe sua pele quando queima? Dependendo da ferida, o corpo não consegue cicatrizar. Estamos perdendo espécies e nascentes com esses horrores que acontecem. Assim, conto minha história e quero que pensem sobre a vida, essa que contribuo para que seja melhor para você e sua família. Vem comigo garanti-la?

Sandra Belchiolina

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  • Que beleza Sandra suas palavras sobre a origem da linda região do Cipó. Quanta insensibilidade da parte dos homens que só pensam em destruir. Serão intocáveis? Ainda bem que muitas vozes se levantam e,quem sabe, um dia as mudanças aconteçam...

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Sandra Belchiolina

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