Retomando as histórias do Caminho de Santiago, hoje conto um pouco sobre um dos vários obstáculos encontrados ao longo da minha caminhada de 350 km.
Logo no segundo dia, no trajeto entre Vairão e Barcelos, surgiram aquelas que seriam minhas dolorosas companheiras durante todo o percurso: as bolhas! Foram três, em cada pé, que começaram tímidas e logo cresceram até ficarem grandes o suficiente para me levarem ao hospital no 4º dia.
Por mais que eu tenha tomado as devidas precauções comprando o calçado, as meias e os curativos indicados, nenhum deles foi suficiente para evitá-las, confirmando que, mesmo com toda a organização, os imprevistos acontecem, e, ainda assim, precisamos seguir em frente e não desanimar.
Entre Barcelos e Ponte de Lima foram 30 km caminhados em aproximadamente 6 horas e 30 minutos, e confesso que, quando cheguei, estava tão exausto e sentindo tanta dor que pensei em desistir. Mas, por sorte, naquele dia eu ficaria num quarto individual numa pousada, simples, porém confortável o bastante para que eu conseguisse descansar o suficiente para encarar o dia seguinte.
Quando acordei, fui a algumas farmácias na expectativa de que alguma pudesse drenar as bolhas, para que eu pudesse seguir mais 18 km até Rubiães. No entanto, em nenhuma delas consegui auxílio, até que me indicaram um hospital que poderia me atender. Chegando lá, não havia médicos de plantão, e uma enfermeira, que me disse não ter muita experiência em realizar aquele procedimento, se prontificou a me ajudar. Sendo aquela a única solução, aceitei e fui a orientando de acordo com o que me haviam ensinado.
Com um pouco de alívio e mais animado para seguir, continuei no dia que, por mais que fosse o percurso mais curto, foi o mais difícil de todos, já que, além das bolhas, caminhei sozinho com meus pensamentos, que me levaram a lugares que não eram dos mais confortáveis.
Assim, fui convivendo com as bolhas e me acostumando, tal qual fazemos no nosso dia a dia, onde encontramos dificuldades com as quais temos que lidar até que uma solução apareça ou aquilo deixe de nos incomodar.
E quer saber… Sabe o que ficou quando o caminho terminou, as bolhas sararam, e todo o desconforto, incômodo e dor passaram? A boa memória da solidariedade, carinho e ajuda que recebi dos amigos que, mesmo à distância, se dispuseram a mandar dicas e soluções de como tratar as bolhas que tanto me incomodavam.
Pessoas como o Frei José Carlos, um amigo que fiz ainda em Barcelos, durante a Missa do Peregrino, e que foi um anjo da guarda durante todo o trajeto, enviando mensagens diárias de incentivo. Ele fez questão, inclusive, de me chamar por vídeo para me mostrar como drenar as bolhas sem correr o risco de infeccionar. Ou o Patrick, um senhor irlandês de 70 anos que há 20 anos percorre o caminho e me ofereceu vários de seus curativos para que eu conseguisse finalizar meu dia. Por coincidência do destino, ele chegou comigo à Catedral de Santiago exatamente no mesmo momento em que eu cheguei.
Não vou me esquecer dele e de vários outros que me ajudaram e me confortaram sempre que precisei.
A vocês, meus amigos, minha gratidão por fazerem meu caminho da vida mais leve.
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