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Osso duro de roer

Mário Sérgio

O futebol já criou uma gama imensa de bordões e um deles, um pouco mais antigo, muito repetido pelo meu pai em dias de jogo de seu time de paixão, o Vasco, era um quase hino que dizia:

“É osso, é osso, é osso de galinha.
Arranja outro time pra jogar co’a nossa linha!”

Uma das falas atribuídas ao grande médium Zé Arigó, informa que ele não curava “ossos”. E os “ócios do ofício”, se tornaram no dito popular, “os ossos do ofício”, numa clara alteração de sentido da citação original.

Por que razão há tantas referências aos ossos, inclusive nas artes, como o grande romance de Pedro Nava, Baú de Ossos; ou a novela de 1973, Os Ossos do Barão, com os ótimos e saudosos Paulo Gracindo e Bibi Vogel; no cinema com vários títulos, entre eles, O Colecionador de Ossos, do ano de 2000, com os excelentes Angelina Jolie, Denzel Washington e Queen Latifah?

Para responder a essa questão, talvez se devesse avaliar que o que sustenta o corpo dos animais vertebrados é um conjunto desses elementos a formar o nosso esqueleto, ao redor do qual se encontra a musculatura. Usando os ossos como alavanca, esse conjunto harmônico facilita o deslocamento e a sustentação do corpo. No caso das PcD, com atrofia muscular dos membros inferiores, como em inúmeros casos provocados pela poliomielite, ou paralisia infantil, a estrutura pode se tornar um amontoado de peças sem a devida elasticidade ou força necessária para o caminhar de forma natural. Por isso tantos desequilíbrios, tantas quedas e a quase impossibilidade de uma marcha mais rápida, ou mais aprumada, por exemplo. Então a resposta, pode-se intuir que, em parte e de maneira figurativa, seja uma alusão ao amparo do indivíduo, tanto físico, quanto espiritual, sem o qual, como nas deficiências mais severas, o corpo não se sustentaria.

Sobre esse tema, ainda se pode observar também uma cacofonia, como em alguns nomes de estrangeiros que, em seus países de origem são comuns, mas para nós, guardiães da “última flor do lácio, inculta e bela”, cantada no belo soneto de Olavo Bilac, soariam quase como uma afronta ou agressão.

Algumas vezes ouvi um senhor que prestava serviço em casa de um amigo a expressão “– Ôh! Sô Montezuma, do que o senhor precisa?”.

Claro que com aquele bom sotaque mineiro, um pouco arrastado, o que chegava aos ouvidos era “Osso Montezuma…”, causando largos risos.

E não poderia ainda esquecer do bom samba de Almir De Souza Serra e Adalto Magalhaes Gavião, Corda no Pescoço, lançado em 1988 pela grande madrinha Beth Carvalho:

“… É o dito popular
Deixa a carne e rói o osso…”

Ou, também importante, as queixas daqueles que por razões distintas se sentem distantes das oportunidades de desenvolvimento, de sucesso, ou de fruir o resultado do próprio trabalho. O que se pode observar, no caso de tantas dificuldades pelas quais um número importante de pessoas passa, especialmente PcD, é que, apesar de todo o esforço, “tá osso!”.

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