Categories: Silvia Ribeiro

O amanhã a gente vê depois

Silvia Ribeiro

Nunca gostei de meio termos, tampouco viver na corda bamba.

Preciso de um porto seguro que me enlace, e um ter para onde voltar que receba os meus enlouquecimentos.

Situações indefinidas que se partem sem um resguardo, rodas gigante sem saber o paradeiro, becos sem saída falando mal da minha claustrofobia, e canoas furadas me causam aflição.

Acho que o meu chip de aventureira veio com defeito.

Me enamoro desses dizeres “estou aqui para o que der e vier.” E vamos combinar que esses estão cada dia mais raros.

Sentimentos disponíveis que não se demarcam, que não emburram, e que não vivem fora de área ou na caixa postal, causam um certo rebuliço nas minhas emoções.

Costumo discutir com a vida quando ela exige que eu viva à mercê de ponteiros, ditando esse ou aquele momento. Não estou aqui para representar o papel de escrava Isaura ou algo do tipo.

Quero para mim toda a fluidez de um “eu posso” brincando com os meus lumes e encontrando a paz no meu travesseiro. E todas as virgindades das manhãs que eu ainda não conheço falando de amor ao meu ouvido. Caso contrário fico morna por dentro.

Fui gerada com muitos infinitos no útero, e são eles que me fazem experienciar a vida com gingado e de uma maneira gostosa. E, portanto, abraços fartos e beijos demorados não podem faltar.

Já me perguntei diversas vezes como se dá esse paradoxo dentro de mim. Saltar com rede de proteção, amar com registro de reciprocidade, sentir o frio me tocar por debaixo do agasalho.

E as respostas nunca são aquelas que eu diria para uma outra pessoa. Me parecem tolas e infantilizadas. As vezes sem nexo ou algo mais diplomado.

Falo que é a influência capricorniana, uma herança genética, ou um formato desenhado pela criação.

E quando não sei como explicar, invento outros pormenores e pormaiores que tornam o meu coração mais falante e mais corajoso diante dessa busca por respostas. E confesso que comumente nem eu mesma acredito.

Por essas e outras vou vivendo — o amanhã a gente vê depois.

(Quem quiser que me acompanhe)

Blogueiro

View Comments

Share
Published by
Blogueiro

Recent Posts

A angústia e suas manifestações no corpo

Sandra Belchiolina Freud e Lacan pesquisaram a angústia humana e apontaram um outro saber –…

16 horas ago

Partida

Daniela Piroli Cabralcontato@danielapiroli.com.br (texto original publicado em 08/10/2020) Ela estava despedaçada. Partida. O peso e…

2 dias ago

Teimosia é também negacionismo

Eduardo de Ávila Somos, quase todos, eméritos e assanhados julgadores de atitudes daqueles com os…

3 dias ago

Separação

Silvia Ribeiro Fiquei pensando em algumas coisas que podem gerar uma separação. E diante de…

4 dias ago

Você tem carteirinha?

Mário Sérgio Quando ainda criança, na minha montanhosa cidade, ouvimos uma estória curiosa sobre um…

4 dias ago

Os Olhos Claros de João

Parte I Rosangela Maluf Nem sei mesmo porque me lembrei do João! Não falei nele,…

5 dias ago