“- Num sei se ia guentá um trabai desses, ‘sas viage todo dia… Tenho munta dor nos quarto”.
As palavras acima, proferidas pela boa senhora com quem conversei numa reunião em casa de amigos, se referia às viagens diárias que fazíamos de BH a Ouro Branco, quando trabalhei na Açominas. Ela avaliava que para uma Pessoa com Deficiência como eu, não apenas pelo andar cambaleante, como ela ressaltou, mas também por ter que ficar sentado por longo tempo, tendo uma nádega maior que outra (deitado de bruços, lembra a foto do Morro Dois Irmãos, de diferentes alturas), poderia “entortar” minha coluna.
Aprendi a perceber o engraçado nessas observações de pessoas simples que buscam dar conforto e apoio, mesmo que não saibam se expressar dentro do politicamente (e chatíssimo!) correto.
As viagens tinham seu encanto, suas particularidades especiais, pelo grupo heterogêneo cujos elos se restringiam ao trabalho na mesma empresa e ao uso do mesmo ônibus diário. A maioria das pessoas atuava em setores, atividades e ambientes distintos naquela imensa e moderna indústria abraçada aos profetas de Congonhas, próxima das rosas de Barbacena.
Vivemos, naquele tempo, um ou dois episódios de risco no trânsito, porém outros tantos momentos de pura alegria. Especialmente às sextas, ou vésperas de feriados, em que, às vezes, havia cantoria, bate papo animado e brincadeiras festivas.
Em algum dia, durante a semana, surgiu uma conversa animada, cujo tema eram perfumes. Falou-se do “Toque de amor”, da Avon; da colônia Tabu, de Dana; do desodorante Mistral; e, claro, para o público masculino, Aqua Velva, da Willians. Falou-se também daqueles que pareciam emprestar status ao usuário, como Styletto, do Boticário; Opium, de Yves Saint Laurent; Tarot, da Natura; Azzaro Pour Homme; entre outros. Um dos mais populares, daqueles que os “amostradinhos” desprezam, foi inconvenientemente aspergido em vários passageiros por um colega; fato que causou mal-estar e algum bate-boca. Mas o constrangimento foi superado em alguns dias. Sem grandes sequelas a quaisquer das partes.
Outro incidente que merece menção, imagino, ocorreu quando um dos colegas, entusiasmado com um tema em debate, tagarelava e ria sem parar enquanto os outros passageiros pareciam cansados e tentavam dormir. Em certo momento um dos sonados, se levantou e, dirigindo-se ao falante, exasperou-se:
– Nossa! Meu amigo. Você tem uma necessidade básica de ficar falando!
Aquela atitude causou algum impacto e o discursista se calou. A partir daquele momento o silêncio só não foi total porque o som do motor do ônibus e dos pneus no asfalto emprestavam acalanto ao dormitar dos passageiros.
Não durou muito. Alguns minutos e quilômetros depois da reprimenda, o paroleiro se levantou de sua poltrona no fundo do veículo, caminhou calmamente até o passageiro que o admoestou, aproximou-se e falou em altos brados quase dentro de seu ouvido:
– Nossa! Meu amigo. Você tem uma necessidade básica de ficar calado!
Concluímos nossa viagem mimados por gargalhadas, risos abertos e contidos; além, claro, dos olhares disfarçados ao assustado dorminhoco, que optou por não dar prosseguimento ao episódio.
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