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Vinil

Peter Rossi

Uma jovem, recém-formada em medicina, chega em casa com um belo exemplar de um disco de vinil. Aliás, um não, dois; era um álbum duplo. Acabara de assistir a um show e comprou um exemplar, autografado por ele.

Fiquei encantado com sua alegria, ansiosa em ouvir algo que nunca ouvira antes. Ela, com os discos nas mãos, a se emocionar com o objeto.
Minha memória me levou a tempos distantes. Numa época em que reinavam as vitrolas, as eletrolas. Para dizer a verdade, nunca entendi bem a diferença entre uma e outra.

Mas me lembro bem do carinho com que tratávamos as nossas bolachas. Era assim que nos referíamos aos nossos discos de vinil. Todos na cor preta, salvo os de histórias infantis, esses podiam ser amarelos, azuis, vermelhos ou verdes.

Colocar os dedos sobre a sua superfície era simplesmente inaceitável. Tínhamos que fazer verdadeira ginástica com as mãos, apoiando o polegar no selo central de papel, e a ponta do segundo dedo, o indicador, se equilibrando na beirada do disco.

Cuidávamos de colocar uma proteção plástica nas capas, além da interna. Existia uma escovinha, azul de um lado e vermelha de outro, de feltro, especialmente destinada à limpeza dos discos.

Era um carinho demasiado. E o melhor é que exercitávamos tal missão ouvindo um disco na eletrola. Ah, a música! Indispensável à nossa vida.

Como era bom esse tempo bom!

Hoje, estou diante da alegria de uma jovem que não viveu tais experiências. Como o ciclo da vida sempre está presente! E fico a refletir.

As fitas-cassete e os CD´s são absolutamente coisas do passado, ficaram no esquecimento. Mas os discos de vinil, não! Eles continuam presentes, e são hoje considerados artigos de luxo, fabricados com extremo zelo, em embalagens belíssimas. A cor preta das bolachas foi substituída por novos matizes, justamente para criar novos ambientes, ares de modernidade.

É incrível, os vinis, assim como os livros impressos, têm vida eterna! Eles são mesmo indispensáveis, seria tonteria extrema simplesmente deixá-los ao léu.

Não! Precisamos sempre destes objetos. Zé Rodrix já ensinava que junto à casa no campo deveriam estar os livros, os discos, os amigos e nada mais!

Pura verdade: os discos e livros superaram a fase de serem meros objetos, são nossos amigos! Com eles tanto já conversamos, trocando confidências.

Quantas vezes choramos, quantos conselhos pedimos.

Em determinada época de minha vida, num ato impensado, me desfiz de diversos discos, vendendo-os a preço de banana num sebo qualquer. Como me arrependi desse ato.

E o arrependimento foi tanto que tempos depois voltei no mesmo sebo e recomprei vários, obviamente por preço mais alto. Mas não tive a coragem de dizer que fora eu o ingrato que um dia se desfez daquelas preciosidades.

Desde então vou com regular frequência às lojas de discos, algumas do Edifício Malleta, e faço minhas pesquisas. Me deparando com preciosidades, apresso em adquirir.

Tenho uma vitrola, porém moderna, a imitar o que chamam de “vintage”. Ainda não encontrei alguma de tempos atrás, mas não desisto. Terei uma delas.

Por coincidência, veio parar nas minhas mãos um exemplar da revista “Seleções”, que nem imaginava ainda serem editadas. Eu as lia, de cabo a rabo, enquanto menino. Me deliciava com a quantidade e a variedade de temas abordados, de piadas a histórias de amor.

Mas, falava sobre um exemplar moderno nas minhas mãos.

Folheando, não contive a emoção quando percebi que a primeira matéria tratava justamente dos discos de vinil. Comecei a ler e ao cabo de quatro páginas entendi meu amor eterno pelas bolachas.

Segundo a reportagem, o som extraído das agulhas sobre a superfície de vinil, apesar dos eventuais chiados, é o que mais agrada ao ouvido humano. Alegou o repórter que os sons digitais são máscaras, sons modificados, enquanto aqueles impressos nas bolachas são os mais fiéis aos emanados pela voz humana e pelos instrumentos musicais.

Que informação sensacional! Agora tenho uma explicação científica para justificar o meu amor, até então incondicional!

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