Taís Civitarese
É curioso que um país tão patriarcal quanto o nosso tenha um contingente imenso de pais falhos.
No hospital em que trabalho, é recorrente nas histórias de adoecimento psíquico das crianças e dos adolescentes a ausência de um genitor afetivo, suficiente ou sequer presente.
São relatos desanimadores de negligência, abandono e violência e um número expressivo de famílias formadas unicamente pelos filhos e suas mães. Quem são esses pais? Onde eles estão?
Apesar de terem outros cuidadores, quando perguntadas sobre os pais, essas crianças sempre manifestam sentimentos de tristeza, raiva ou frustração por sua ausência. O papel paterno é uma função que pode até ser reposta, mas jamais substituída.
Considerando-se que a vida do homem é mais fácil do que a da mulher em inúmeros aspectos – menor susceptibilidade a sofrer violências, cultura machista, leis feitas por eles e para eles – não seria esperado que encontrassem melhores condições para exercerem sua obrigação enquanto pais de alguém?
Sabemos, no entanto, que o ser humano não funciona assim. O que vemos, na ausência da mãe, é predominantemente o abandono e a terceirização da criança. A responsabilização do filho a terceiros e a transferência de cuidado às mulheres da família, sobretudo às avós e tias. E elas que lutem e carreguem todos os estigmas sociais em suas costas.
Em tempos remotos, as mães já foram até mesmo culpabilizadas por quadros de transtornos mental como o autismo – o que mostrou-se completamente equivocado. Surpreende-me que não tenha sequer surgido uma hipótese semelhante, ainda que duvidosa, em relação ao papel dos pais. O impacto emocional de sua negligência é visível.
Estes ainda dispõem de um terceiro privilégio: a condescendência social. O perdão por deixarem seus filhos para trás. A normalização de uma ausência com consequências tão vitais em indivíduos vulneráveis. Olha, sinceramente… Que saibam que muitas de nós estamos atentas!
As histórias são recorrentes. Somos mesmo uma população criada por mulheres em acúmulo de tarefas. Por isso, ainda me emociono ao ver uma menina trans ser trazida à consulta de mãos dadas com o seu pai. Ou ao ver o pai do Ryan* que, aos 70 anos, não perde uma única consulta médica da criança.
Nossas crianças vivem um severo abandono paterno e arrisco dizer que muitos de nossos problemas sociais, como a violência urbana, o vandalismo e a criminalidade, seriam sanados com pais mais presentes. Certamente, o sistema de saúde seria infinitamente menos onerado.
Resta refletir se o patriarcado não é mesmo uma fábrica de homens omissos e mulheres resilientes. Não se trata de fazer favores ou de conquistar elogios. É apenas e simplesmente fazer mínimo: cumprir com a sua obrigação.
*nome fictício
Muito bom.