“Estas alegrias violentas têm fins violentos”.
Shakespeare
A minha nostalgia, o meu mais profundo sopro da existência seria a liberdade de viver sem revolta. Habitar nesta terra e compactuar com os meus sem nada que abalasse a minha linha de pensamento. A minha liberdade seria não fugir da razão e colocar nessa fuga, embora que por um momento irrisório da minha ação, toda a culpa pelos resultados ruins. “Não fui eu!” Insisto em dizer, quando não tem mais ninguém aqui.
“Alter” é uma das palavras latinas para se dizer “outro”, e “ego”, “eu”. Foi Freud que disse que o meu “alter ego” é o culpado das ações que eu não posso explicar, não eu. Ele toma conta de mim quando uma sombra me encobre e minha visão se esvai e tudo que fica é um fantasma da alma, que cuida para não perder a hora de se levantar na sexta-feira de manhã.
Mas isso não é, para ninguém, um segredo. Embora, mais do que recorrentemente, continuemos no exercício de atribuir ao outro a doença da alma. Ao “alter”. O “ego”, vai bem, obrigado. Um pouco cansado, tentando se acostumar com a correria de início de ano – que já beira o fim.
O “alter”, coitado, não ficou sabendo? Toma remédio para dormir e energético para ficar acordado. Não sai mais, fiquei sabendo que ele só aparece no trabalho. De fato, quão dura a existência do “alter” é. O “alter” acanhado, calhou a se tornar um bichinho de estimação, que vez ou outra aparece no meio de uma festa, e te puxa para o silêncio que ele contempla, enquanto o “ego” se diverte com músicas de carnaval.
O seu outro é o eu para mim. São assintomáticos os sintomas do “alter”, enquanto ele quer se integrar ao “ego”, e a única coisa que conseguimos entregar, na tentativa de saciar sua fome incontrolável de vida – pura, sem gelo nem calor – é o rivotril 60mg, depois do café da manhã. Isso me lembra do dia em que minha tia faleceu. Vendo minha avó abalada, liguei para o médico para pedir um remédio para tentar acalmá-la. Mas nada fazia efeito. O médico me perguntou: “você não quer que ela sinta tristeza?” Ao passo que eu respondi: “eu não quero que ela sinta nada!”. Esse nada em forma de anestesia de acontecimentos hoje nos vem de graça, apenas pelo fato de ler os jornais. Se pelo menos 2020 tivesse acontecido em 2016, talvez eu não tivesse dado tanto dinheiro em alprazolam.
Li uma vez que a maneira como o homem reage às atrocidades da vida diz muito sobre ele, então o que a minha maneira diz de mim? Foi raiva, de fato, que me fez responder a pergunta do doutor daquele jeito. O ódio de ver quem eu amo sofrendo. Tá aí mais um paradoxo com o qual eu poderia viver sem.
Ao meu “alter ego” devo pedir desculpas? Irei fazer de novo, ele sabe disso. Além do mais, a culpa diz respeito à perda da razão, ao lapso de consciência durante o acontecimento, o que não é o caso. Eu tenho consciência de tudo, sendo assim, a culpa não é minha. As suas soluções e saídas sempre envolvem o fim de algo em alguma coisa. Não é culpa minha, também, que você não veja sentido em nada. Eu sei que você não escolheu nascer ao lado do abismo, mas não precisa me arrastar para lá.
Então, proponho uma trégua. Nem ao sol demais, nem a queda-livre de menos. Talvez se a gente ficar aqui, na ponta, ninguém perceba. E, talvez, um dia ou outro, eu te deixe sair para brigar com alguém que me respondeu atravessado, enquanto eu fico quietinho, na sua sombra, te esperando voltar. Combinado?
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