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Barulho, por favor

Daniela Mata Machado

O repouso e o silêncio foram meu remédio até o momento em que a dor se tornou tão insuportável que o movimento incessante passou a ser minha única possibilidade de seguir adiante. Esta é a primeira vez que me sento para escrever algo que não seja absolutamente técnico desde aquela noite que jamais vai se apagar em mim. E ainda não sei se vou conseguir terminar isto aqui. Há 15 segundos, quando pousei minhas mãos sobre o teclado, não tinha a menor ideia nem do que ia começar. Achei que escreveria sobre esse mundo corporativo que agora redescubro, a festa junina que neste momento anima as ruas do meu bairro ou o fascinante e estranho universo das adolescentes.

Foram anos buscando o remanso, a pausa e a estabilização das energias. Uma procura incessante, milhares de vezes frustrada, mas quase ininterrupta. Desde aquela noite, no entanto, tenho me entregado ao barulho e à agitação como se desse movimento dependesse minha sobrevivência neste planeta. Um trabalho novo – profundamente desafiador em diversos aspectos –, a matrícula na academia de ginástica, a insistência em andar mesmo com as dores lancinantes de um esporão de calcâneo no pé esquerdo – que talvez quisesse me imobilizar – e uma verborragia absolutamente descontrolada sobre qualquer questão que não me toque de modo muito contundente a ferida mais dolorida. Assim têm sido os dias.

Nesta manhã, porém, entre o primeiro atendimento de Reiki que realizei depois daquela madrugada e o encontro com uma amiga que também não havia mais visto, percebi que ele estava ali, à minha espreita. O silêncio parecia estar me vigiando de longe. Me movi como pude para solucionar as dezenas de demandas urgentes que agora invadem inclusive os meus fins de semana. Me despedi da amiga, interessada em me convidar para um passeio no parque, onde o sossego e o ócio talvez se fizessem inevitáveis, e me esgueirei para essa euforia que suponho me salvar de mim mesma.

O problema é que a quietude é esperta e mora nos detalhes. Num súbito desejo de voltar a escrever crônicas, me sentei diante deste computador e, para escapar da variedade sonora que por pouco não me enlouquece – a música da festa na rua invade minha casa, enquanto meu companheiro aumenta o volume da TV para assistir ao jornal e minha filha faz o mesmo com o volume do celular, para ouvir uma música no quarto ao lado –, botei fones nos ouvidos e me entreguei a Miles. Pousei as mãos no teclado e, sem que me fosse possível impedir, o trompete da lenda foi silenciando minha mente protetoramente inquieta e acalmando meu corpo defensivamente agitado.

Aquela noite ainda não terminou. É uma madrugada longa, que vai morar em mim pra sempre. Os ruídos e toda essa agitação me protegem do silêncio da sua ausência, que temo me devorar. Há momentos em que sinto sua presença, percebo sua energia e consigo ter a certeza de que haverá um reencontro em que estaremos inteiras, despidas de todos os medos e das dores que tanto nos confundiram, cientes das nossas fragilidades e completamente entregues ao amor, que é tudo o que temos. Que sempre tivemos. Nos piores dias, no entanto, preciso me mexer como um polvo e falar até tropeçar nas palavras pra me livrar desse pânico, que às vezes me assombra, de que eu nunca mais vá voltar a te ver.

Crio distâncias abissais de qualquer pessoa que julgue me conhecer por dentro e busco algum conforto em problemas novos, que tanto me exasperam quanto me entretêm. E que, sobretudo, me distraem desta calmaria, agora intolerável. Assim vão passando as horas, os dias, os meses. Assim o correr da vida vai se tornando mais razoável. E uma hora a gente vai ultrapassar aquela noite e assistir ao amanhecer de um novo dia. Indelevelmente juntas. E a nossa quietude, tornada em mansidão da alma, há de voltar a ser cura.

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