(texto original publicado em 13 de outubro de 2021)
A minha profissão me coloca em situação de privilégio para olhar o campo da intimidade. Cada dia mais me surpreendo o quão rico pode ser o universo interior das pessoas. No fundo, no fundo, todas elas carregam em si uma grande e complexa riqueza que fica presa ali dentro, no íntimo, preservadas do mundo aparentemente inóspito.
Às vezes são dores paralisadas que precisam de campo de confiança para serem expostas e curadas.
De outras, são desejos esquecidos, endurecidos pelo tempo e pela rotina, que se tornam inacessíveis, como um núcleo precioso de identidade.
Às vezes, são medos da opinião alheia, que nos fazem dizer o que é esperado e silenciar o que é, de fato, verdadeiro. Por outras, são traumas que precisam ser escutados e reconhecidos.
São as certezas invioláveis. São os segredos, as simbioses e os pactos. São metamorfoses incompletas em casulos mofados. São coágulos precários de feridas antigas.
São amores inconfessáveis. São os afetos esperando para serem desnudados. São histórias cristalizadas por normas no substrato da subjetividade.
São os fracos se fingindo fortes com receio de mostrar vulnerabilidades. E são os fortes se fazendo de fracos, carentes de atenção.
A intimidade é repleta de construções imaginárias prontas para serem desfeitas, reformadas. A intimidade é um campo caleidoscópico de múltiplas possibilidades que carrega em si uma potência essencialmente criativa. O construir-se. O fazer-se. O relacionar-se.
Todos temos nossos lados de luz e de sombra, mas a intimidade mostra um lado humano que quer romper a barreira do comum, extrapolar a experiência cotidiana. A intimidade quer vivenciar a transcendência apontada em direção ao infinito.
Entrar em contato com a intimidade requer sensibilidade e calma. Requer escuta e empatia. Exige certa doçura e leveza. Encarar a si mesmo demanda coragem.
A intimidade revela mesmo a beleza do que é imperfeito e a honestidade do que é incompleto.
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