Daniela Piroli Cabral
danielapirolicabral@gmail.com

(texto original publicado em 13 de outubro de 2021)

A minha profissão me coloca em situação de privilégio para olhar o campo da intimidade. Cada dia mais me surpreendo o quão rico pode ser o universo interior das pessoas. No fundo, no fundo, todas elas carregam em si uma grande e complexa riqueza que fica presa ali dentro, no íntimo, preservadas do mundo aparentemente inóspito.

Às vezes são dores paralisadas que precisam de campo de confiança para serem expostas e curadas.

De outras, são desejos esquecidos, endurecidos pelo tempo e pela rotina, que se tornam inacessíveis, como um núcleo precioso de identidade.

Às vezes, são medos da opinião alheia, que nos fazem dizer o que é esperado e silenciar o que é, de fato, verdadeiro. Por outras, são traumas que precisam ser escutados e reconhecidos.

São as certezas invioláveis. São os segredos, as simbioses e os pactos. São metamorfoses incompletas em casulos mofados. São coágulos precários de feridas antigas.

São amores inconfessáveis. São os afetos esperando para serem desnudados. São histórias cristalizadas por normas no substrato da subjetividade.

São os fracos se fingindo fortes com receio de mostrar vulnerabilidades. E são os fortes se fazendo de fracos, carentes de atenção.

A intimidade é repleta de construções imaginárias prontas para serem desfeitas, reformadas. A intimidade é um campo caleidoscópico de múltiplas possibilidades que carrega em si uma potência essencialmente criativa. O construir-se. O fazer-se. O relacionar-se.

Todos temos nossos lados de luz e de sombra, mas a intimidade mostra um lado humano que quer romper a barreira do comum, extrapolar a experiência cotidiana. A intimidade quer vivenciar a transcendência apontada em direção ao infinito.

Entrar em contato com a intimidade requer sensibilidade e calma. Requer escuta e empatia. Exige certa doçura e leveza. Encarar a si mesmo demanda coragem.

A intimidade revela mesmo a beleza do que é imperfeito e a honestidade do que é incompleto.

Daniela Piroli Cabral

View Comments

Recent Posts

Quanto tempo falta?

Tadeu Duarte tadeu.ufmg@gmail.com Quanto tempo falta pra gente se ver hoje Quanto tempo falta pra…

6 horas ago

Mendoza, até o fim

Peter Rossi Sigo contando minhas peripécias, espero que não os enfade, mas, ao contrário, desperte…

12 horas ago

A mamata acabou

Wander Aguiar Buenos Aires é uma das minhas cidades favoritas no mundo, e jamais vou…

1 dia ago

Rap para amigas de direita

Aproveitando o ensejo das eleições municipais (e inspirada pelo ritmo musical ouvido por meus filhos),…

2 dias ago

Sons, silêncios, reticências…

Sandra Belchiolina Gosto das meias palavras ou de poucas palavras, Das reticências que dão margem…

3 dias ago

Sobre vivências: grupo de enlutados por suicídio

Daniela Piroli Cabral danielapirolicabral@gmail.com O suicídio é tema complexo e sensível, ainda revestido de estigma,…

3 dias ago