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Cores dissolvidas

Taís Civitarese

Lendo as últimas notícias, fiquei tocada por uma imagem. Ela foi feita por um dos voluntários que participava dos mutirões de limpeza das casas inundadas do Rio Grande do Sul. Não é uma imagem propriamente chocante em comparação às tantas que foram noticiadas ao longo da tragédia. Tampouco seria digna de nota por sua magnitude em termos de perda material. Porém, ela me entristeceu de uma forma bastante específica.

Quando eu tinha uns sete anos, vi uma estrela cadente da varanda do apartamento em que morava. Sonhadora que era, fiquei maravilhada com o fenômeno. E fiz um pedido. Nunca o revelei a ninguém por medo de que não se realizasse. Ainda assim, levei um bom tempo até concretizá-lo: era um estojo de maquiagem.

A imagem que vi na reportagem era a de algumas paletas de sombra e de blush estragadas pela água. Nos quadradinhos onde antes estariam as unidades de tons, havia lama e fracos resquícios de um material brilhoso. Estavam completamente inutilizadas, assim como tantos outros bens de maior valor pertencentes àquelas pessoas.

Ver aquilo simbolizou para mim de forma muito profunda a perda de algo que um dia fora sonhado. Era a representação anímica de um aniquilamento.

Não há como ignorar que a negligência de terceiros levou a tanta destruição e isso se torna quase incompreensível no campo do pensamento. Seja lá qual “agenda” o governo tenha escolhido seguir em lugar de dar segurança ao seu povo, a tristeza se materializa ali, naquela água que dissolveu os detalhes das vidas, além de tantas vidas propriamente.

É difícil pensar em agendas mais importantes do que a de preservar o sonho, a vida e a dignidade de um povo. Por esse motivo, considero aquele governo um dos mais falhos de toda a história. Se eu fosse o governador, repensaria toda a minha existência, toda a minha ideologia. Não é possível que se banalize o que houve, que se esqueça.

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