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Olho pela janela e não te vejo

Silvia Ribeiro

O céu parece menos azul, e as nuvens não desenham mais as fantasias da molecada na rua correndo de um lado pro outro.

Sinto o vento martelando as minhas lembranças, e não sei onde foram parar toda aquela gente- que era a minha gente.

As cirandas agora se transformaram em silêncio, e foram brutalmente tiradas da inocência para serem entregues ao mundo adulto.

A minha terra desfolha o cheiro das despedidas, dos beijos apressados, e das canções que arpeja no meu mundo a força dos sonhos. Parece que as serenatas sangram amores que nunca foram vividos.

Ainda que as recordações em mim chorem por dentro, o meu coração um dia saberá das alegrias dos meus quintas, da formosura da moça que me enchia de esperança e assanhava os meus desejos, da singeleza das promessas que quase sempre não foram cumpridas. E dos magistrais vaga-lumes que iluminaram a minha doce juventude.

Que saudade dos tempos de outrora e da praça enfeitada de risos, das barracas exibindo doces que salivavam a nossa alma, e dos rabiscos secretos que nos destinavam e faziam com que os nossos olhos brilhassem em busca do autor. Um tal de correio elegante.

Me recordo das luzes das velas em procissão clamando por milagres e falando de gratidão. Ou simplesmente queimando os nossos cabelos.

A terra ainda se lembra dos meus pés, e os seus segredos eu guardei só pra mim.

Eita, que essa roça tem cheirinho de pai, de mãe, e de irmãos. Posso ouvir avós conversando na varanda, e ver nas suas mãos já visitadas pelo tempo bolo e café de coador.

“Causos” que caberiam nas páginas de um livro bom.

Tem primos chacoalhando as árvores e vizinhos torcendo o nariz. Eles não sabem que a natureza fica mais bonita quando se brinca e os seus frutos mais doces. E isso é maravilhoso.

Ouço um cantar de passarinhos e percebo que eles têm algo a dizer.

Falam de Deus, falam de amor, e pedem paz.

Sabiá, um dia você veio me visitar.

Por onde você anda agora?

Eu sonhei ser violeiro e perpetuar as coisas raras, prestar atenção na saudade que bate à minha porta, e colocar voz nas minhas andanças.

Me ensina o seu canto.

Minha terra tem palmeiras onde canta o Sabiá…

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