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O morro dos pensamentos fluentes (parte 2)

Tadeu Duarte
tadeu.ufmg@gmail.com

Semana passada interrompi o texto no exato momento crítico em que após visitar o Morro dos Pensamentos Fluentes, caminhava de volta pra casa quando fui pego desprevenido com a inescapável emergência de conjugar o verbo defectivo.

Estava sozinho em uma rua escura de uma região residencial, sem a menor chance de encontrar um banheiro público.

Nos próximos minutos só me restava tomar uma decisão: ou cagava na rua ou me cagava nas calças.

A hipótese de segurar, infelizmente pra mim, não era possível.

Deveria ter a fineza de trocar o termo “cagar” por outro mais erudito, para não desagradar os distintos leitores desse prestigiado blog, mas, estaria amenizando com palavras a minha selvagem luta intestinal.

Não há solução mágica para uma questão biológica, da condição humana. Nessas horas não há etiqueta que resolva.

Constanza Pascolato cagaria na rua. Ronaldo Ésper, Clodovil Hernandes e Chiquinho Scarpa, também. Sandy e Taylor Swift ou qualquer outra celebridade fofinha que nem caga, idem.

Fosse o Dudu Camargo, cagava também. Nem a cópia genérica do Silvio Santos conseguiu segurar a bosta no camarim do SBT quando ela vem que vem quicando. A diferença é que depois do desconforto intestinal ele escondeu a toalha em que se limpou atrás do microondas, e, assim, foi demitido. E por justa bosta.

Agoniado, andei mais uns cem metros e, para meu alívio, encontrei abrigo em um lugar onde antes funcionou um comércio de laticínios. No recuo do estacionamento, um muro lateral me ocultava de quem passasse pela rua.

Em fração de milésimos abaixei as calças e desempacotei o Negresco.

Que me saiu quente-pelando, pastosão e fermentado pelas Stellas Artois bebidas pouco antes. Saí andando com a sensação do Amedocrem lambrecando a entrecoxa e imaginando a freada de Walk Machine que minha cueca ganhou.

Estava levemente bêbado e deveras humilhado. Mas feliz.

Sim, feliz por ter dado a solução menos pior para meu drama de merda.

Depois de aliviado e já quase achando graça da situação, senti que a máquina de churros ligou sozinha novamente.

Pelamor da caçarola, não é possível que, mais uma vez, terei que tirar outro extrato da poupança na minha conta no Bank of Boston!

Andei mais cem metros e, ao lado de um coqueirinho, fabriquei outro Chokito. Foi tão rápido que conferi no chão pra ver se meu forévis não foi junto.

Evito usar a expressão “não tem como piorar” para que a vida não entenda meu desabafo como desafio. Mas, afirmo que um raio de bosta é capaz de cair duas vezes na vida da mesma pessoa.

Imaginei alguma câmera vizinha captando a cena e minha bunda branca sendo viralizada em grupos de zap-zap da vizinhança.

Eu era o homem-bosta, que literalmente sai cagando e andando pelas ruas do bairro Renascença.

Vinte metros depois, viro a esquina e, aliviado, já estou em minha rua. Faltava apenas dois quarteirões para chegar em casa são e salvo. We are the champions, my friends.

Pensamentos vários passaram pela minha cabeça.

Eu era azarado e ridículo, que após os quarenta anos deveria sair na rua com fralda geriátrica.

Que nada, eu era mesmo é sortudo por não ter ninguém perto nessa hora. E esperto por cagar mais rápido que a velocidade da luz.

Eu era um idiota irresponsável, que deveria estar em casa na pandemia esperando a vacina. Se morresse, que fosse em casa, de banho tomado e bunda limpa.

Eu era alguém com o intestino saudável, bem nutrido e que evacua regularmente três vezes ao dia. Normalmente, em casa.

Eu era um poeta urbano, um Drummond de bairro pobre que misturou Johnnie Walker com Actívia e descobriu que no meio do caminho tinha um cocô. Tinha dois cocôs no meio do caminho.

Nos poucos metros restantes eu senti que meu intestino presepeiro me preparou outra pegadinha do malandro. Rááááá, e agora, José? Agora eu me salci-fufu chegando em casa.

Intuitivamente entendi ser inconcebível escorregar o Rodriguinho dos Travessos na porta de casa. Assim que coloquei a chave na fechadura, caguei na calça.

Com 3 cocôs, já posso pedir música no Fantástico, pensei. Olho para as câmeras da rua e peço: “Sorria que eu estou te filmando, sorria, o coração tá gravando, o seu nome aqui dentro de mim (ouô, ô, ô)”.

A sensação daquele toloskão dos Travessos pesando a cueca é tão indigna que não desejo pra quase ninguém, só pra quem lê esse texto com nojinho torcendo o nariz, imaginando que faria diferente de mim nessa situação.

Cheguei em casa, tomei banho e escutei minha mãe ouvindo a live sertaneja no talo. Bosta por bosta era melhor ter ficado em casa ouvindo aquela merda de cueca limpa.

Quis sair pra espairecer, ver a vida lá fora e voltei cagado.

A vida às vezes é irônica e devolve nossas piadas…

Pra que fui votar no Marronzinho?

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