Taís Civitarese

Uma das maiores dificuldades observadas em nosso ambulatório de atendimento psiquiátrico a crianças e adolescentes é o estabelecimento de limites aos filhos por parte dos pais. Há inúmeras famílias em que se observa um alto grau de permissividade e pouca ou nenhuma autoridade referenciada aos cuidadores.

Aparentemente e segundo relato dos mesmos, os pais têm medo de perder o amor dos filhos ao dizerem não ou receiam privá-los de viver certas experiências. Há um pavor de que o “não” provoque um “trauma” ou gere revolta nos mais jovens.

Em uma geração de pais educados predominantemente com autoritarismo, parece ter havido uma inversão metodológica radical para lidar com a seguinte. Observa-se a queda de hierarquias intra-familiares e o enfraquecimento institucional da família como um todo.

Considerando-se um viés importante de nosso serviço, uma vez que os nossos pacientes em geral pertencem à parcela mais vulnerável da população e já sofrem algum tipo de privação material, é necessário definir com clareza a diferença entre punir e educar. 

O limite é um importante balizador do comportamento humano do qual a sociedade inteira se beneficia. Ele apazigua, preserva o espaço alheio, norteia comportamentos e ajuda a direcionar o indivíduo a um determinado caminho. Uma criança com infinitas possibilidades sente-se insegura, perdida. Por mais que o exercício crescente de sua autonomia seja desejável, é necessário que seja conduzido e moderado por alguém adequadamente maduro neurologicamente. É natural deduzir que este seria o papel dos seus adultos cuidadores.

Em termos de crianças e adolescentes neurologicamente saudáveis, um limite explicado com amor tem mais valor que uma permissividade negligente. É sempre possível rever os acordos e voltar atrás diante da conscientização de um exagero. Limite também é cuidado, atenção e investimento. De alguma forma, as crianças sabem disso. 

Limitar é diferente de tolher. A promoção de saúde através da regulação é papel dos educadores até aquela pessoa ser madura o suficiente para realizar suas próprias decisões. Que os “nãos” possam também ser apoios para uma caminhada mais harmoniosa e segura.

Tais Civitarese

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