Mário Sérgio

Difícil encontrar empregos naqueles tempos. O assunto em televisão, rádio e jornal, era a crise provocada pelo preço do barril de petróleo. Mas, Sô Geraldo, quarenta e seis anos, nunca teve carro. Então o que tinha ele a haver com preço do combustível? Ainda mais em barril. Não eram sempre litros? Quem compra barril disso? Quanto cabe num barril? Nunca, que se lembrasse, tinha visto um barril na vida. Coisa de doido.

Porém, Sô Geraldo se ressentiria logo dos outros preços. No mundo da produção – ele nem imaginava – tudo estava relacionado. Como na teoria do Efeito Borboleta. O drama desse bom senhor, interiorano, seria ampliado pelas pessoas que dependiam dele, esposa e três crianças. Além, claro, dos indiretos, pequenos comerciantes dos quais comprava “na caderneta”; o senhorio; água, luz; mais seu xará, do gás. Tudo porque perdera seu emprego de vigilante de obra. Não só ele. Vários de seu parco círculo de amizade, de referência, também perderam sua fonte de renda. A obra parou por tempo indeterminado; palavra cujo significado desconhecia, mas tinha a sensação de que não era bom.

Mesmo assim, trazia um sorriso jovial, ouvindo, de passagem, no radinho do colega em viagem no ônibus, Saco de Feijão (Francisco Santana/1977), na voz, hoje saudosa, de Beth Carvalho. E pensava em sua primogênita, com sequela de pólio, cheia de vida, inteligente, esforçada, debutando naquele ano, matutando como dançar com ela a importante valsa.

Vira no cinema, recentemente, Uma Janela para o Céu, a vida da esquiadora Jill Kinmont Boothe e avaliou a correlação da filha com a personagem June (Nan Martin). Poucos antes do acidente da protagonista principal, foi diagnosticada com poliomielite. Interessante, pensou Sô Geraldo, gente com aparelho e bengala pode ser artista. Mesmo sem saber de que forma, profetizou vê-la vencer na vida.

Entrou em casa, olhou a filha que estudava e ganhou um beijo carinhoso da esposa feliz por vê-lo. Nesse instante seu sorriso cintilou ainda mais, iluminando a razão da certeza pelo sucesso da filha. Que não seria por ele, mas por aquela dedicada e bela guerreira, sua mãe.

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