Adrianinha e sua irmã Clara ganharam uma piscina de plástico. Era um modelo de armar, azul, estampado com peixes e figuras do fundo do mar. Ela foi montada na varanda do apartamento onde moravam, que ficava no primeiro andar de um prédio.
As duas esperaram ansiosamente por um dia de calor. Finalmente, veio um sábado ensolarado. Vestiram suas roupas de banho, correram para a varanda, ligaram a mangueira que enchia o pequeno tanque e nele entraram. A água era gelada que só. Não importava. Ali estava o seu oásis de fantasia. Criaram histórias de sereias, naufrágios imaginários, cidades subaquáticas e percursos aventureiros.
No apartamento do segundo andar morava uma família com dois filhos. Eles eram um pouco mais velhos do que elas e não eram amigáveis. Em um desses dias de brincadeiras na água, os dois irmãos apareceram na janela. Ela ficava voltada para a varanda das meninas. Ambas resolveram não olhar. Eles gritaram algumas ofensas e palavrões para assustá-las. Elas ignoraram, já um pouco constrangidas. Subitamente, uma cusparada. E depois mais outra. Os dois rapazes começaram a cuspir em sua piscina.
As meninas saíram dali em pânico. Apavoradas, ligaram para o pai, que estava no trabalho. Contaram o acontecido. O pai desconversou, não queria se indispor na vizinhança. Recomendou que brincassem do lado de dentro e assim estaria resolvido o assunto. Desde esse dia, a piscininha nunca mais foi montada.
Anos mais tarde, já todos mais velhos, estreitou-se a convivência entre os jovens do bairro. Os dois meninos se enturmaram com os amigos de Adrianinha e de Clara. Clara, educada, de vez em quando conversava com eles. Adrianinha nunca trocou uma palavra e, silenciosamente, cultivava seu ódio. Valia-se da fama de esquisita que havia conquistado sem muito esforço.
Fazia dez anos do episódio da piscina. O mais velho dos irmãos tinha ganhado um carro dos pais. Vermelho. Reluzente. O garoto passava horas alisando a lataria do veículo. Lavava, encerava e exibia uma relação tipicamente fálica com o seu possante. Adrianinha observava.
Ela estudava em uma escola com dois turnos, um matutino e outro noturno. Ia de manhã e voltava à noite de carona. Em uma destas, chegando da aula, ao invés de subir rumo ao seu apartamento, desceu as escadas. Naquela época não se usavam câmeras de segurança. Adrianinha retirou do bolso seu chaveiro em formato de cavalo-marinho. Foi um presente trazido pela irmã do intercâmbio que fizera na África do Sul. Um cavalo-marinho igualzinho àqueles que estampavam sua piscina da infância. Ele continha uma única e pontuda chave. Adrianinha andou até a vaga do vizinho. Viu o carro. Um Chevrolet lustrosamente laqueado. Ela cravou a ponta da chave na lataria bonina. Arrastou-a com precisão até fazer um talho bem digno. Algo em torno de uns vinte e cinco centímetros.
Voltou para casa e encontrou a mãe, que a esperava de pijamas. “Sim, fui bem na prova”, respondeu.
A mãe não sabia, mas ela se referia à prova da vida. Àquela que tarda a chegar mas que não falha. Àquela de cuja matéria ela jamais tinha se esquecido.
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