Capítulo 2
O posto de coleta 2 era igual a qualquer outro posto que ele já tinha visto na televisão. Grande, rude, cheio. Toda a tecnologia inútil era jogada ali, sem ter para onde ir e sem ter onde se firmar. Os fios se embolavam entre si, dando uma impressão de maciez para quem olhava de cima, mas a frieza dos objetos entulhados não era muito bonita ao nível da pupila.
Ali estava, diante dele, sob seu reinado único e eterno, todas as invenções que os seres humanos confiaram para fazer as coisas que eles não conseguiam ou não queriam fazer. Para pensar por eles, para armazenar momentos, memórias, vozes. Para lembrá-los das horas, dos aniversários, dos compromissos importantes. Para recordá-los do que era o romance, o amor, a juventude. Tudo estava ali. Seco, sozinho, sem paz. Vez ou outras, quando um novo produto era lançado e a substituição era feita, João podia ouvir o gemido de algum equipamento que fora esquecido ligado, jogado lá com vida, mas sem existência. Com o propósito de estar, mas não ser nada. Ocupando um espaço que nunca poderia ser desocupado.
Por mais coletas e descartes que se fizessem, as coisas não sumiam magicamente. Estariam lá amanhã, assim como estiveram ontem e como estarão todos os dias, até que não exista mais nada. João não sabia o que “frio na espinha” significava, embora fosse uma expressão que ele ouvira diversas vezes em podcasts de narrativas de histórias, mas imaginou que podia se assemelhar aquela sensação que ele estava experimentando agora. Mas não era só na espinha que sentia frio, era em todo corpo. Ele todo tremia de desespero, de audácia, de cansaço e de revolta. Não sabia porque esses sentimentos tinham se misturado e se apossado dele tão facilmente, mas sabia que estavam lá, todos esses e tantos outros mais que ele não podia nominar. João conhecia a maioria dos idiomas mais usados na Terra, mas, mesmo assim, não conseguiu encontrar uma palavra para descrever como se sentia naquele momento. Solidão era pouco, não servia. Tinha que ser mais. João sentia a solidão de um universo vazio, inacabado e intocável. Sentia a gravidade firmando seus pés no concreto. João conhecia gente demais para dividir a comida, os quartos, o trabalho, mas ninguém para salvá-lo dessa divisão. João estava sozinho no posto de coleta 2, e a Terra estava sozinha no universo.
Sentindo o peso do mundo, João parou de sentir o peso do seu corpo e o concreto encontrou seu rosto antes que ele pudesse usar as mãos para se proteger.
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“Só” é um conto de 10 capítulos, que serão publicados individualmente semanalmente.
Capítulos: I
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