A situação mais comum às crianças atendidas em nosso ambulatório de Psiquiatria Infantil do Hospital das Clínicas da UFMG é o tempo excessivo passado em frente às telas. Raros são os pacientes cujos pais não vêm com essa queixa. O auge da situação foi uma mãe que nos relatou que sua bebê de três meses estava viciada em celular, fato obviamente condicionado pelo ambiente e que traduz uma triste realidade de nossos tempos: a infância exageradamente exposta aos eletrônicos .

A recomendação publicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria é que uma criança de 6 a 10 anos passe no máximo duas horas por dia em frente a uma tela. De dois a cinco anos, apenas uma hora e abaixo de dois anos, zero. Tais orientações estão bem distantes do que vemos.

Para uma geração de pais que cresceu em frente à televisão, soa estranho limitar ou demonizar o uso de telas por seus filhos. Elas oferecem diversão, aprendizado, comunicação e descanso (para crianças e cuidadores). No entanto, diante das informações que temos hoje, não podemos negligenciar seu uso. O motivo passa por questões de saúde e também de segurança. 

Uma máxima que rege o universo das redes sociais e talvez de todas as mídias online é que quanto mais tempo de tela, maior o faturamento. Isso deve valer também para jogos que permitem compras ou qualquer plataforma em que se tenha anúncios pipocando continuamente. Portanto, não haverá nenhum “disclaimer” ético protetor da saúde mental dos usuários oferecido pelas redes. Somos nós que precisamos efetuar a regulação, por mais difícil que seja.

Há algumas ideias que podem nos ajudar e, entre elas, ressalto aqui algumas. Em primeiro lugar, a atividade física. Proporcionar tempo ao ar livre, adesão a algum esporte, convivência e motivação é um preenchedor de tempo valioso, com estímulos enriquecedores e inúmeros desdobramentos positivos. A prática esportiva, a meu ver, deveria vir como uma obrigação.

Em segundo lugar, por mais “perigoso” que isso possa soar, permitir tempo ocioso às crianças. Brincar com os brinquedos que já têm, desenhar, pensar, imaginar. Isso é necessário para o desenvolvimento saudável. Eles não precisam estar entretidos o tempo todo. Obviamente, é válido também propor atividades substitutivas ao lazer oferecido pela mídia, ainda que sejam coisas simples como ajudar a trocar uma torneira, descascar um legume para o almoço ou ir à padaria como companhia.

Por último, no ato de limitar a tela, fazê-lo sem medo e sem expectativas irreais. A criança não reduzirá o uso de seis para duas horas por dia de uma hora para outra. Pode-se fazer uma transição gradual até adequar o tempo para algo que seja razoável. Também, não há motivos para se sentir culpado ao privar os filhos desse tempo. Basta ter consciência das inúmeras razões, que vão desde a proteção contra crimes virtuais até evitar prejuízos no neurodesenvolvimento, distúrbios de autoimagem, atrasos de linguagem, depressão, problemas de sono, miopia, escoliose, etc., além de abrirem-se oportunidades para outras vivências.

Educar dá trabalho. A tela pode ser nossa aliada mas jamais deve substituir a interação humana ou ser a única fonte de entretenimento da criança. Vale concentrar esforços em limitá-la e quanto mais cedo, maior a chance de sucesso. Pode parecer impossível para quem já está habituado. Apenas estejamos cientes de que as possibilidades infantis são infinitas.

Referências:

  1. Hari, Johann. Foco Roubado – Os ladrões de atenção da vida moderna. 352 pág., Editora Autêntica, 2023.
  2. Sociedade  BRASILEIRA DE PEDIATRIA – SBP. Manual de Orientação: Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021). #Menos telas #mais saúde. Rio de Janeiro: SBP; 2019.
Tais Civitarese

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