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Teatro dos sonhos

Peter Rossi

 

A infância de qualquer menino em Nova Lima teve momentos em que encenada na escuridão de uma sala de cinema, na verdade uma sala de espetáculos das mais belas. Uma arquitetura ainda mantida – coisa das mais raras hoje em dia – na esquina de uma igreja das mais belas. O Teatro Municipal, esse prédio imponente em que a função virou nome. Ninguém, pelo menos da minha geração, se lembra do seu apelido de batismo: Manoel Franzen de Lima. Mas isso pouco importa, o que vale mesmo é aconchego que aquela enorme sala escura nos proporcionava.
Matinês de domingo com filmes de cowboy e bandidos, uns correndo atrás dos outros, não necessariamente nessa ordem. Os tiros ecoavam nas paredes do teatro e nós, meninos travessos, nos sentíamos plenos e felizes a abater homens com a barba por fazer e a expressão pesada, escondida sob um chapéu surrado.
Vivíamos ali nossas primeiras experiências enquanto meninos. Os filmes a mostrar mulheres seminuas, que hoje bem poderiam ser considerados até infantis, nos levavam ao mundo do romance e da paixão. Aquele gigante de concreto abraçava nossos desejos mais íntimos e como cúmplice nos permitia sentir que existiam sensações antes não vividas. Ele, o teatro, não contava pra ninguém, e saindo do escurinho do cinema, seguíamos para casa, subindo infindáveis ladeiras e nos achando os melhores. Na verdade, éramos mesmo.
Ser criança em Nova Lima era sorrir correndo pelos zigue-zagues, de um lado para o outro e, descendo, atingir a praça da matriz. Um pulo a mais e lá está o teatro. Em estilo art-decó, imponente, com traços retos, concretos e ritmados. Fileiras de traços, só com régua, sem compasso, a emoldurar uma fachada única, em torno de uma praça com múltiplos desenhos.
Nova Lima cresce, muda, se alcança e distancia do passado. O Teatro Municipal, ao revés, segue firme a mostrar para qualquer um que nada mudou. Projeta um filme em película desgastada, nos lembrando sempre o quanto a vida foi boa, vivida à toa, em torno do escuro, da claridão da imagem, da pequinês da luz do lanterninha a tentar descobrir onde estávamos nós, namorados, se em duas, ou numa cadeira só.
Tempo bom aquele em que o Teatro fazia brilhar nas tardes de domingo, nos raios espelhados, nossos desejos de menino, nossa aflição de pequenos, nossos sonhos, que até hoje, desconfio, ainda estão lá, escondidos atrás da cortina cor de carmim. Basta sentar-se na cadeira e fechar os olhos. Eles nos alcançarão a não nos deixar esquecer os melhores tempos de nossas vidas. Tacanhas, tamanhas, únicas, as que sempre vivemos, uma cena após a outra, como num rolo de filme, escondido na sala de projeção. Sentados, continuamos a desenrolar esse novelo que cuidamos chamar de saudade. E o Teatro personifica a felicidade de sabermos que apesar de passado, esse tempo foi muito, muito bom! Com a linha do novelo entre os dedos, cuidamos de esculpir entre pontos de crochê os melhores casacos, moldados pela memória, pela nossa história. Aquela mesma, que as vezes esquecemos, mas que segue escondida, astuta esperando pra nos indicar o próximo filme em cartaz!

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