Essa história me traz memórias de quando eu tinha meus sete ou oito anos e estava sendo alfabetizada. Lembro que, leitura de um dos meus primeiros textos, lá estava o “a” entre parênteses. Fiquei instigada com presença daqueles símbolos “abraçando” a vogal. O incomodo veio quando a explicação chegou, através das pacientes palavras de minha mãe:
– Na língua portuguesa, é o “o” quem manda. Quando a gente quer incluir também a mulher, põe o “a” entre parênteses ao lado.
Eu que não era letrada nas letras do machismo estrutural, me senti alijada e me calei indignada. Por que é o “o” que predomina?
Novamente essa questão me tocou quando, já maior de idade e estudante de psicologia, me deparei com o seguinte cartaz: Vagas para psicólogos(as). Por que usar o “o” dominante em um contexto profissional na qual a carreira é predominantemente feminina? Não me senti de novo representada e em determinadas circunstâncias passei a adotar, por conta própria, o “a” da maioria: Psicólogas(os).
Trago estes exemplos para mostrar a importância de de falar e de problematizar o uso da linguagem imparcial. Recentemente, a Argentina proibiu o uso da linguagem neutra em seus documentos oficiais. Entendo os argumentos dos fiscais da norma culta, mas é importante pensar na linguagem enquanto campo de expressão humana, em um contexto culturalmente localizado que é dinâmico. A função primordial da linguagem é a comunicação e a expressão de necessidades humanas.
Por mais que a gente não aceite, ache “mimimi”, uma provocação desarrazoada às normas da língua, ela tem vontade própria e muda sozinha, a despeito daqueles que a querem controlar. Taí o exemplo da linguagem tecnológica da internet, zapzap, blogues, arrobas que não me deixam mentir. São a prova viva de que, mesmo não dicionarizadas, fazem parte do cotidiano, da nossa forma de interação e de subjetividade.
Um outro ponto importante é que a linguagem é e sempre foi campo de disputa de poder discursivo, lugar de exercício de reconhecimento ou de discriminação e de práticas de violência (física ou simbólica). Como eu vivi na infância, tem muita gente que não se sente representada pelo “a” nem pelo “o” e aceitar que elas possam ter seu campo de identificação e e lutar por essa legitimidade é fundamental. O reconhecimento das existências passa também pelo crivo linguístico.
Na semana do dia da mulher, espero que possamos sair do silenciamento a que historicamente fomos impostas, mas que também possamos levar conosco as denúncias e as necessidades daqueles que também não tem direito ao uso pleno na linguagem para expressar sua dignidade, manifestar seus desejos, exercer sua cidadania.
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