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Mexeriqueiro

Silvia Ribeiro

Venham! Venham!

Que gritaria era aquela?

Se tratava do ilustre mexeriqueiro de uma pequena vila, por esse mundão de meu Deus.

O alvoroço tomou conta daquele lugar como um rastro de pólvora, fazendo com que as pessoas corressem pra ver o que estava acontecendo.

As comadres não resistiam e de olhos arregalados apareciam na janela. Um verdadeiro desfile de rolinhos e meias nos cabelos. Cremes melecando o rosto e tudo de mais esquisito que podia existir.

“Fala logo, cabra desvairado, ou eu arranco a sua língua com as  minhas unhas!” – era um dos comentários calorosos que envolviam aquele arsenal de curiosidade.

Com a respiração ofegante e quase não se segurando nas pernas, o assunto foi despejado ali mesmo, antes que algum valentão quisesse fazer valer a sua identidade de macho.

“Como era a tal mulher?”

Ela não era muito alta, tinha o cabelo preto, com uns cachos que brilhavam como se tivessem luzinhas dentro deles.

O silêncio tomava conta daquele ambiente como num passe de mágica, e naquela euforia parecia que ninguém tinha pálpebras para piscar.

Usava um vestido bem vermelho que balançava junto com o vento, pra lá e pra cá, e um sapato que dava a impressão de andar sozinho.

E não parou por aí.

Ela tinha um cheiro de lavanda fresca e seus lábios pareciam cor de amora.

Até que, num certo momento, alguém quebrou aquele encanto e quis saber mais.

“Como era a parte de cima do vestido?”

Os seios eram fartos e pareciam saltar do soutien, e na sua cintura tinha uma fita larga presa dando a impressão que apertava.

Ela me disse que estava com sede e me pediu pra pegar uma bebida.

A sua voz era rouca e pausada, quase não conseguia entender.

Saí depressa pra buscar a bebida e, quando cheguei, ela estava sentada numa daquelas cadeiras que ficam ali perto da vendinha.

Eu me sentia um pouco sem jeito perto de uma mulher tão diferente e bonita. E ela parecia se divertir com a situação mostrando os dentes alvos e alinhados.

As pessoas me observavam e não respondiam aos meus cumprimentos. Num determinado momento, estranhei quando ouvi uns cochichos dizendo que eu estava falando sozinho. Devia ser inveja e eu não tinha tempo pra perder com aquilo.

Tinha gente que passava e dizia: -credo, isso parece coisa de fantasmas.

Me aproximei e quando fui entregar o copo, quase morri.

“O que houve?”

“Fala! Fala!”

Ela cruzou as pernas.

“E daí?”

“Fala logo, seu filho da mãe!”

O pobre coitado tremendo feito vara verde não teve escapatória, e berrou pra quem quisesse ouvir.

Ela não usava calcinha.

“O quê?”

“E por onde ela foi?”

Tá ali mesmo, na rua debaixo.

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