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Puxar a cadeira

Silvia Ribeiro

Era pra ser assim.

Embora eu não tenha deduzido com tanta ligeireza, muito menos entendido aquele distinto sorriso de cobiça especulando o meu cotidiano. Mistérios tangíveis revelando um clima de “eu quero” no ar.

Durante muito tempo eu retratei alguns distanciamentos e uma forma comedida de me envolver, baseada no meu modo de ver a vida e de cultuar memórias de gerações passadas.

O fato é que eu me perguntava se o meu coração estava desatento, ou se havia se perdido em expectativas que recuaram mediante a sentimentos que bravamente ele tentava apagar.

Eu não havia aprendido como modelar os meus achismos e as angústias das minhas adultices, e exaltava as minhas tolas cismas como uma criança que se aventura no escorregador. E me atrevo a dizer que por isso estava ocupada demais em me uniformizar nas ancestralidades.

Enquanto o mundo sequer se interessava em mudar os arranjos dos meus contaminados monólogos.

Mesmo trazendo comigo todas as elucidações e toda a vontade de aceitar aquele modo diferente de criar laços, reconheço que te quis no primeiro átimo da sua presença e no arrepio que o seu abraço macio e liberto de vergonha provocou. Ainda sem saber.

Logo pensei em relevar a minha data de nascimento e fingir que a nossa diferença de idade era apenas um fio solto e totalmente sem valia. E até mesmo rasgar o calendário e defender aquele desejo com orgulho.

Afinal de contas não eram tantos anos assim.

Coisa de poucos minutos e todos os meus debates alusivos a maturidade e idade, se desatrelaram e viraram pó de estrelas naquela noite de verão escaldante. Fato que tornou o meu corpo inconfesso e me fez pensar em escrevinhar uma poesia pitoresca. Só pra que eu pudesse rir de mim mesma.

Algo genial naquele ser abriu portas em mim e me tocou à distância.

Ali havia uma sensação que se atreveu e puxou o meu vestido com uma malícia precoce, mas no meu entendimento, deliciosa. Embora fosse uma reação em silêncio, o vermelho gritante da minha roupa fazia barulho e queimava feito pimenta.

Não era essencial muita perspicácia pra entender isso, e nem aplausos pra definir aquela admiração querendo parecer recatada e se escondendo por trás de um muro de segundas intenções.

Bastava simplesmente sentir a expressão de uma carinha travessa me comendo com os olhos, como quem saboreia uma fruta que deixa o seu adocicado na língua pra se lembrar depois.

Precisei de alguns sinais coreografados pra aguçar aquele instinto, ou sexto sentido, como queiram chamar. O ineditismo daquela gestação despojada roubava a minha crença autoditada e amortecia o meu fardo.

E naquele dia propriamente dito, roubar qualquer coisa de mim me parecia inadmissível e afobado. Ainda que fosse apenas um farelo de atenção.

No entanto, eu vivenciava uma magia que libertava o meu salto e insinuava por onde eu deveria caminhar. E passei a conhecer um tesão otimista, e um fascínio que se misturava a um jogo de olhares e sorrisos.

Lá no fundo eu já havia me enfeitado pra te acolher, e o meu coração já estava com laço de fita, e tudo.

Vi que grande parte da vida percorremos distâncias em busca de novos cenários e de sentimentos palpitantes e com uma personalidade única. Enquanto isso, uma nova peça bem ao estilo Shakespeare pode estar sendo encenada e ancorada por alguns atalhos bem do outro lado da rua.

Com uma aptidão fulminante podemos transformar os nossos quereres em protagonistas e intérpretes de uma mesma história e de um mesmo lápis. Amar as criações do destino e as chuvas de bençãos que caem mansas sobre as nossas casas, escritas por um único autor.

Isso eu aprendi com você.

Hoje, não sei se algum dia vou te olhar com aquele arroubo que me dava água na boca, ou deixar de recitar os  diversos códigos de bem-querer que desafiava o seu comportamento solene e entusiasmava a sua camisa. Nem imagino me desfazer de uma memória sufocante que vez ou outra aparece instigando fatos e figuras.

É provável que ainda sobreviva um rastro daquela trama secreta, e da sensualidade inebriante que existia entre nós dois. Canções que nos envolveram e suores atrevidos falando besteiras durante a nossa dança.

Uma saudade que em dias sombrios nasce entre espinhos, e que nos demais floresce e enfeita a minha janela.

Imagino até mesmo o seu perfume admitindo que não me esqueceu.

Talvez…

Bastou simplesmente puxar a cadeira e me sentar.

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