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Clayton e o cachorro Chicão

Peter Rossi

Chicão era o cachorro do Clayton. Era um dinamarquês misturado com labrador, todo preto, de diferente só o branco do olho.

Ficava no quintal do depósito de material de construção, protegido por uma cerca de aproximados dois metros e meio de altura. A intenção era a de que, com seu tamanho, assustasse qualquer indivíduo que ali tentasse entrar sem ser convidado.

Apesar do tamanho, Chicão tinha uma expressão dócil, essa era a verdade!

Pela manhã, Clayton enchia a travessa de metal com angu e bofe e levava para Chicão. O cachorro se fartava e logo em seguida, espreguiçava e deixava seu imenso corpo cair sobre a terra do quintal.

Clayton ia para o depósito e só no final da tarde encontrava Chicão. O cachorro, àquela altura desperto, abanava o rabo a pedir mais comida.

O que não sabia o tutor é que Chicão com aquele tamanho todo, escalava e pulava a cerca até com certa facilidade. Mas era espero o cachorro. Já sabia a hora que o dono voltava e cuidava também de voltar de suas andanças. Chicão, assim como o seu dono fazia lá das suas, não era muito chegado em obrigações.

Num desses passeios pelo mato, certa vez Chicão “apanhou” um monte de carrapatos. Não deu outra, ficou com babesiose, ou babesia, como dizem no interior. Clayton se preocupava com a segurança e a alimentação do animal, fora isso, não dava conta de mais nada.

Todas as noites, naquele mundão vazio, ia até a Toca da Suzana e só saía de lá quando não conseguia mais levantar um só copo. As pernas, como marionetes, seguiam em eterno descompasso até a casa.

Numa dessas idas e vindas, Clayton acordou após as nove da manhã e, assustado, correu ao quintal para levar comida pro Chicão. Achou o animal meio fraco, mas ainda assim, viu que ela comeu alguma coisa e bebeu água.

Seguiu para o trabalho e depois do trabalho, para o botequim. Naquele dia, saiu direto e não foi ver Chicão. Tomou todas, até porque teve a companhia de Maninha, uma morena vistosa que vivia arrastando asa pro moço. Já era madrugada quando abriu o portão e se lembrou do cachorro. Foi até o quintal e se deparou com Chicão deitado no chão, completamente apagado.

– Meu Deus, Chicão morreu! Minha Nossa Senhora e eu no bar, sem ajudar em nada!

Mais que depressa, cavou uma cova rasa e deitou ali o corpo do Chicão. Muito bêbado, teve dificuldades com a tarefa, mas por “honra da firma” expressão que sempre utilizava, fez o que deveria ser feito. Jogou umas pás de terra e foi dormir. No dia seguinte cuidaria de arranjar uma cruz.

Não fosse o excesso de álcool, Clayton não dormiria naquela noite, de tanto arrependimento.

No dia seguinte não teve coragem de ir ao quintal, foi direto pro depósito. Mas, ao final do dia, não resistiu e acabou indo ao local onde enterrara Chicão.

Sua surpresa foi enorme! O cachorro pulava de um lado para o outro e latia desesperado de fome.

Meio sem entender, Clayton foi buscar comida e água para o animal. A bem da verdade não se lembrava bem de todo o ocorrido, mas que tinha enterrado o animal, tinha, ainda que numa cova rasa.

Naquela noite foi pro boteco, mas estava feliz, muito feliz. Logo que chegou cuidou de contar a novidade para os amigos:

– Vocês não vão acreditar. Chicão, meu cachorro, morreu ontem. Mas ficou dia inteiro deitado no sol. Só enterrei ele a noite. Ele pegou energia e voltou … dormiu no sol, né!?

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