Natal sempre foi uma data capaz de tirar vários dos meus sentimentos da cartola, coisas que me deixam indecisa quando me perguntam se eu gosto, ou não.
Por isso tenho evitado o vermelho gritante do figurino e ficado apenas com o modesto panettone ou a música da Simone dizendo: Então é Natal.
Não dá pra negar que com o passar dos anos vamos nos encolhendo diante dos danos que sofremos e percebemos um bom velhinho mais frágil e desanimado. Os tais sapatinhos na janela há tempos já foram embora, e os personagens do presépio se tornaram desconhecidos.
Percebo as luzes um tanto quanto instáveis e a história de origem cada vez mais debaixo do sofá. Parece até que o menino Deus saiu da vitrine e ninguém sabe mais do que se trata “a noite feliz”.
É um dia em que a saudade se torna bem mais criativa, e nos dá ouvidos atentos para os sinos que ao longe ecoam as nossas lembranças. Gente que se foi cedo demais, afetos que faltaram despedida, e um choro que tem nome.
Eu não sei se a lista de presentes se tornou tristonha ou se foi a gente que andou trocando os cartões de crédito por abraços, por afetos, por esperança, e por pessoas legais. Coisas que só o coração consome, ou simplesmente um modo ilusório de sentir o mundo mais macio, feito barba de Noel.
Ainda assim:
Quero ser criança todos os dias, ter milagres estalando na ponta dos meus dedos, provar beijos de neve como se fosse picolé, e fazer rabanadas sem a interferência do dezembro.
Quero ver além do espelho, adoçar os meus misticismos, me comover com as dores pródigas, ter um papo poético com o tempo, e tornar a minha alma cada dia mais imaginosa.
Quero ouvir rumores de amor, ter palavras pra cada dia de solidão, ouvir música em todos os cantos da casa, tornar o meu sorriso mais possível, e ter ao meu alcance a claridade de uma fé interna.
Quero anunciar os meus pressentimentos, me ver em lugares que eu não fui, aceitar o destino como um bom companheiro, e escrever coisas que eu ainda não sei.
Quero ter sempre um natal dentro do peito.
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